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Best-seller espanhola, María Dueñas lança livro novo no Brasil

'As filhas do Capitão' conta a história de três irmãs imigrantes na Nova York dos anos 1930
A escritora espanhola María Dueñas, autora de 'As filhas do Capitão' Foto: LUIS SERRANO / Agência O Globo
A escritora espanhola María Dueñas, autora de 'As filhas do Capitão' Foto: LUIS SERRANO / Agência O Globo

RIO — A professora de filologia María Dueñas tinha 45 anos quando viu seu romance de estreia, “O tempo entre costuras”, tornar-se um fenômeno editorial na Espanha. Nove anos e três livros depois, a espanhola lança no Brasil “As filhas do capitão” (Planeta), que narra as alegrias e desventuras de imigrantes de seu país na Nova York da década de 1930 por meio da história de três irmãs da família Arenas.

Menos famosa do que as comunidades irlandesa e italiana, a colônia espanhola chegou a ter 30 mil pessoas. Em entrevista ao GLOBO, a autora fala de xenofobia, feminismo e seu sucesso tardio como escritora.

Qual foi o ponto de partida para este novo livro?

Na pesquisa para outro romance, notei que todos os testemunhos sobre imigrantes eram do ponto de vista dos homens. Então, fiquei curiosa para saber como essas mulheres enfrentavam a mudança, a procura pelo novo mundo, quais eram seus sentimentos.

Como foi a pesquisa para “As filhas do capitão”?

Viajei por Nova York por um ano e estive em contato com os pouquíssimos estudiosos da imigração espanhola na cidade. Tive uma fonte privilegiada de informação, me encontrei com alguns imigrantes sobreviventes. Eles conservam frescas as lembranças daqueles anos, a luta de seus pais, o quanto trabalhavam para construir uma vida melhor. E tudo isso narrado em primeira pessoa.

Os laços de comunidade estão bastante presentes no romance…

As redes de solidariedade eram muito ativas. Hoje, temos Skype, WhatsApp, redes sociais, outras maneiras de manter contato, mas estamos fisicamente distantes uns dos outros. Naquela época, não. A gente tinha apenas o contato da colônia, de quem estava ao redor, que te ajudava e compartilhava os momentos bons e ruins. Muitos me contaram que se casaram na própria comunidade, porque cresceram juntos. Estavam juntos para dar apoio uns aos outros nas perdas, nas doenças, nos problemas cotidianos.

As irmãs Arenas lutam para sobreviver. O que mudou na realidade das mulheres daquela época para hoje?

Ainda há muito para conquistar e injustiças para superar, mas acredito que as coisas melhoraram. Avançamos muito em perspectiva, em nossa posição na sociedade, na diminuição da desigualdade de gênero. Mas não alcançamos 100% disso. Ainda há muito trabalho pela frente.

Como você vê a crise da migração dos dias de hoje?

É triste ver a política de migração truculenta de Donald Trump. É lamentável que um país construído por imigrantes agora os rechace assim.

E a xenofobia não para de crescer mundo afora...

Isso me entristece enormemente. É a maior falta de respeito humano, de solidariedade, de consciência de que todos os países, que todos os continentes foram sendo povoados por gente em movimento, as fronteiras sempre se moveram. Colocar esses tipos de barreiras tão duras é bem preocupante.

Como sua vida mudou desde o lançamento de “O tempo entre costuras”?

Eu não esperava nenhum êxito. Não sabia nem que encontraria uma editora para publicar meu romance. Só pensava em conseguir publicá-lo, que ele chegasse às livrarias e aos leitores. Depois, foi uma bola de neve, que cresceu de maneira espontânea, sobretudo no boca a boca. E em menos de um ano eu me vi abandonando a academia. Mudei de profissão, de rotina e de perspectiva.

Capa do romance "As filhas do capitão", de María Dueñas Foto: Divulgação
Capa do romance "As filhas do capitão", de María Dueñas Foto: Divulgação

Como sua experiência como acadêmica a ajuda como romancista?

Eu sou da escola de Linguística Aplicada, não sou expert em literatura. Mas o rigor acadêmico é muito útil no processo de escrita, na disciplina, na elaboração do texto. E sigo com a rotina de trabalhar o mesmo número de horas todos os dias.

Por que a decisão de inserir personagens históricos como o maestro Xavier Cugat e o compositor Carlos Gardel?

Eles realmente estavam em alta naquele momento. Eram pessoas tão fascinantes que parecia um pecado não colocá-las na trama (risos), um desperdício.

Qual é o momento atual da literatura espanhola?

Produzimos uma literatura viva, de diferentes gêneros e pontos de vista, que não para de dar coisas novas. Outra coisa é o mercado editorial, que é muito afetado pela queda da leitura, pela ascensão das séries, dos serviços de streaming. Ficamos enganchados 24 horas por dia com o trabalho e a TV. Acho que esse é o maior perigo para a literatura.

Um personagem diz que “o público espanhol não busca a arte soberba, mas o puro entretenimento”.

Muitos consumidores de arte são como aqueles imigrantes, que querem apenas se distrair depois de uma rotina tão dura de trabalho. Talvez o segredo esteja na mescla entre o entretenimento e a erudição, como em “Dom Quixote”.

SERVIÇO

“As filhas do capitão”. Autora: María Dueñas. Tradução: Sandra Martha Dolinsky. Editora: Planeta. Páginas: 496. Preço: R$ 59,90.