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Boris Fishman, bielorrusso radicado nos EUA, discute herança e pertencimento em novo romance

‘A imigração pode ser destrutiva para a dinâmica familiar’, diz o incensado escritor
O escritor Boris Fishman, autor de 'Não deixe meu bebê participar de rodeios' Foto: Stephanie Kaltsas/Divulgação
O escritor Boris Fishman, autor de 'Não deixe meu bebê participar de rodeios' Foto: Stephanie Kaltsas/Divulgação

SÃO PAULO — Quando emigrou da União Soviética (mais especificamente de Minsk, capital da Bielorrússia) para Nova York, em 1988, Boris Fishman tinha 9 anos. Ele pretendia deixar tudo o que era russo para trás e se transformar em um menino americano: vestia-se como seus colegas de escola e dizia que seu nome era Bobby. No final da adolescência, fez as pazes com suas origens ao ler “Pais e filhos”, romance do russo Ivan Turguêniev (1818-1883) sobre conflitos geracionais e a modernização à europeia do Império Russo. Depois, estudou literatura russa na Universidade Princeton, onde hoje é professor, e escreveu longamente sobre a Rússia na imprensa anglófona.

Fishman transformou a herança judaico-soviética que antes o envergonhava em matéria-prima literária: escreveu dois romances sobre as alegrias e as agruras de famílias que fugiram da escassez e do antissemitismo soviéticos para se estabelecer nos arredores de Nova York: “Vidas reinventadas” e “Não deixe meu bebê participar de rodeios”, publicados no Brasil pela Rocco respectivamente em 2015 e no final do ano passado. Ambos figuraram nas listas de melhores do ano do “New York Times”.

Os dois romances são cheios de referências a autores russos, como Tolstói, Dostoiévski e, em especial, Gógol, que é o apelido de Slava Gelman, protagonista de “Vidas reinventadas”, e o nome do café que Maya, a mãe judia de “Não deixe meu bebê participar de rodeios”, sonha em abrir.

— Eu me apaixonei pelos autores russos do século XIX porque eles se interessavam pelas grandes questões existenciais — disse Fishman ao GLOBO. — Hoje, nos EUA, quem se interessa por questões existenciais é visto como ingênuo. Mais ingênuo ainda se achar que elas têm respostas definitivas. E arrogante se for escritor e tentar oferecer algumas respostas. Discordo de tudo isso.

Em “Vidas reinventadas” — estreia elogiada por Joyce Carol Oates — Fishman se perguntou sobre a resiliência dos laços familiares e o sentido do sofrimento. Logo após a morte da esposa, o avô de Slava (cujo nome significa “glória” em russo) recebe uma carta do governo alemão informando que ela tinha direito a uma indenização por ser sobrevivente do Holocausto. Com a ajuda de Slava, um escritor aprendiz, o vovô Gelman tenta tapear os alemães e entra com um pedido de indenização em seu nome, fingindo que ele, e não a esposa morta, fora vítima dos nazistas. Os vizinhos, todos judeus da União Soviética, gostam da ideia e pedem a ajuda para redigir suas memórias — as verdadeiras e as falsas.

Um estrangeiro em casa

Fishman aprofundou suas interrogações sobre pertencimento em “Não deixe meu bebê participar de rodeios”. Alex e Maya Rubin são um casal imigrante (ele, bielorrusso; ela, ucraniana) que adotam um bebê americano: Max. E se desesperam com o comportamento atípico do menino, que, entre outras esquisitices, foge de casa e é encontrado perto de um rio.

Em busca de justificativas para tais atitudes, Maya convence a família a fazer uma viagem de carro atrás dos pais biológicos de Max. Eles se perguntam se saber mais sobre a origem do filho pode ajudá-lo a se encaixar melhor na família — assim como eles, os pais, conciliam a origem imigrante com o país adotivo.

Parte da capa de 'Não deixe meu bebê participar de rodeios', do escritor Boris Fishman Foto: Divulgação
Parte da capa de 'Não deixe meu bebê participar de rodeios', do escritor Boris Fishman Foto: Divulgação

— Meu interesse por adoção é metafórico. Explorar a história de uma criança adotada foi uma forma de entender meu lugar em minha própria família — disse Fishman. — A imigração pode ser destrutiva para as dinâmicas familiares. Eu me americanizei, mas meus pais continuaram muito soviéticos. Nós nos amamos muito, mas também somos estrangeiros uns para os outros. Eu posso até parecer americano, mas, 30 anos depois, ainda me sinto estrangeiro.

Fishman lança um novo livro no final do mês: “Savage feast” (“Banquete selvagem”), mistura de memórias e livro de receitas.

— É a minha história familiar contada por meio da culinária e uma reflexão sobre o significado que a comida ganha depois de gerações de escassez — explica. — Não me orgulho de toda minha herança soviética, mas a língua, a literatura, o humor e a comida considero tesouros. Eu fiz muita terapia.

Serviço

“Não deixe meu bebê participar de rodeios”

Autor: Boris Fishman. Editora: Rocco. Tradução: Maíra Mendes Galvão. Páginas: 368. .Preço: R$ 59,90. Cotação: Bom.