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Carmen Maria Machado: 'É importante elaborar cenas de sexo com a mulher no centro'

Escritora conquistou a crítica americana com seu livro de estreia, 'O corpo dela e outras farras'
Carmen Maria Machado, autora de 'O corpo dela e outras farras' Foto: Tom Storm / Divulgação
Carmen Maria Machado, autora de 'O corpo dela e outras farras' Foto: Tom Storm / Divulgação

SÃO PAULO — Livro de estreia de Carmen Maria Machado, “O corpo dela e outras farras” (Planeta), reúne oito contos que passeiam por diferentes gêneros para falar da violência contra a mulher em um mundo ainda afetado pelo machismo. O “New York Times" apontou-o este ano como um dos “15 títulos notáveis de mulheres que estão moldando a forma como lemos e escrevemos ficção no século XXI”.

Fã de ficção especulativa e leitora de autoras como Karen Russell, Shirley Jackson e Angela Carter, Carmen passa da fantasia ao horror, da ficção científica ao humor e ao erotismo com desenvoltura. Em um dos seus contos, as mulheres se tornam invisíveis e ninguém dá a mínima; em outro, fantasmas femininos se escondem em um vestido de baile. E assim por diante.

Descendente de austríacos e cubanos, a escritora vive na Filadélfia com sua mulher, Val Howlett. Ao mesmo tempo que escreve um livro de memórias, aguarda a produção da adaptação de seus contos para o formato de série.

O que seu estilo, apontado como “único” pelos críticos americanos, tem de especial?

Todos os escritores são uma combinação daquilo que leem e do que gostam. Certamente, não sou a única a escrever desse modo. Mas acho que há uma mistura saborosa de gênero, feminismo, sexo, estranheza, corpos de mulher e contos de fadas. E as pessoas estão respondendo a isso.

As cenas de sexo do livro são narradas de forma diferente do habitual. Por quê?

Escrever sobre sexo é divertido, gosto muito. Acho importante elaborar cenas de sexo em que a mulher esteja no centro, em que os corpos de mulheres sejam levados em consideração. Porque na maior parte das vezes em que li ficção erótica eram livros escritos por homens brancos heterossexuais, e não eram nada interessantes. Depois de um tempo, fica muito repetitivo. Então, achei interessante reservar um espaço para os corpos das mulheres.

Como escolhe os gêneros de cada um dos seus contos?

Não sento para escrever e digo: “Vou escrever um conto de terror” ou “vou escrever um conto de ficção científica”. Não planejo nada. Na verdade, pego todas as minhas referências, as coisas que li, o meu arsenal, faço uma grande mistura e deixo que as coisas surjam de forma orgânica.

Como descreveria seu processo de escrita?

Dou aulas e, quando ensino, ao longo do semestre, não escrevo. Quando não estou dando aulas, acordo bem cedo e escrevo durante a manhã. Sempre que tenho alguma ideia, logo registro para não esquecer. E tenho mais ideias do que posso escrevê-las. Por isso, eu mantenho listas. Além disso, gosto do formato dos contos porque posso escrever as minhas ideias mais rapidamente.

O livro tem uma bela dedicatória ao seu avô cubano, Reinaldo Pilar Machado Gorrin. Qual a história por trás dela?

Quando eu era criança, o meu avô sentava comigo e com meu irmão para contar histórias de sua vida. Eram contadas de uma forma muito natural, davam a sensação de que eram bem estruturadas e bem acabadas. Não eram especialmente sensacionais, mas a maneira como ele se comunicava com a gente era o que nos prendia a atenção. Sempre que me perguntam sobre escrever e como contar histórias lembro do meu avô. Ele foi o primeiro que me fez pensar em histórias dessa maneira e também a razão pela qual me tornei uma escritora. Foi por isso que dediquei o livro a ele.

Ainda há muito preconceito contra a literatura que tematiza o feminismo e outras questões de gênero?

Certamente. É difícil ter um livro como esse publicado. Tenho sorte porque o minha editora americana, Graywolf Press, publica trabalhos muito estranhos, que ninguém quer. Esse livro tem sete anos. Parece relevante agora por causa da situação política nos Estados Unidos e no mundo, por causa da forma como falamos das questões de gênero. Não o planejei desse forma, não fiz essa escolha. Foi uma coisa que saiu assim.

Capa de "O corpo dela e outras farras", de Carmen Maria Machado. Foto: Reprodução
Capa de "O corpo dela e outras farras", de Carmen Maria Machado. Foto: Reprodução

'O corpo dela e outras farras'

Editora: Planeta (selo Minotauro). Autora: Carmen Maria Machado. Tradução: Gabriel Oliva Brum. Páginas: 240. Preço: R$ 49,90.