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Clubes de livros por assinatura se segmentam e vão de feminismo a literatura africana

Livros já representam 27% do mercado de clubes, que cresceu 60% no ano passado
Para o fundador do Literáfrica, João Canda, o Clube de Literatura Africana é uma forma de reconstruir o imaginário sobre o continente Foto: Paulo Sawaya / Divulgação
Para o fundador do Literáfrica, João Canda, o Clube de Literatura Africana é uma forma de reconstruir o imaginário sobre o continente Foto: Paulo Sawaya / Divulgação

RIO — Os clubes de assinatura literários explodiram na última década, apostando no fator surpresa e em curadorias assinadas por grandes nomes da Cultura. Em 2020, alcançaram 27% do mercado de clubes, segundo a Betalabs, consultoria especializada em e-commerce. Em meio ao mar de “caixinhas” com histórias saborosas e brindes exclusivos, editoras e livrarias apostam na segmentação como diferencial, com clubes específicos de literatura africana, feminista , católica, e o que mais agradar o freguês.

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Pensando no avanço do modelo, a editora Bazar do Tempo prepara para março o lançamento de sua própria caixinha, o Clube F. — um clube de leitura feminista, no qual todos os títulos serão assinados por mulheres, brasileiras ou estrangeiras. Para o primeiro ano do projeto, já estão previstos livros inéditos de Virginia Woolf, Heloísa Buarque de Hollanda e Alice Walker .

O preço do serviço ainda não foi definido, mas a diretora da Bazar do Tempo, Ana Cecilia Impellizieri Martins, adianta que o clube terá três modalidades de assinatura (trimensal, mensal e anual), com descontos proporcionais em outros produtos da editora. Além disso, os assinantes terão acesso a encontros mensais com autoras, curadoras, tradutoras e designers para debater as obras, que irão de romances a tratados de economia feminista.

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— Ainda hoje, há mulheres que se assustam com esse termo “feminista”, achando que é uma coisa radical. Quando você mostra que ele abarca toda uma gama de assuntos, desde biologia até a própria literatura, as pessoas sentem que ele é para todo o mundo mesmo. O papel do Clube F. é mostrar essa pluralidade que o feminismo engloba — afirma Ana.

Criada há sete anos, a livraria Africanidades, em São Paulo, também decidiu focar na força literária feminina — por sua vez, exclusivamente na de mulheres negras . Desde 2019, a loja envia trimestralmente dois livros de autoria feminina para os assinantes do clube Africanidades. A cada edição, uma obra de uma escritora brasileira é selecionada para a caixinha, e cabe à própria autora escolher o outro título que integrará o kit — que também inclui brindes produzidos por empreendedoras negras, como brincos e bonecas abayomis.

Cobrada a cada três meses, a assinatura sai por R$ 125. Por trás de cada entrega, há toda uma dimensão afetiva: as caixinhas são preparadas uma a uma pela fundadora da Africanidades, Ketty Valencio, e são acompanhadas de uma carta da curadora da edição.

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— Não é somente um kit, é um posicionamento político — afirma Ketty. — Quando o assinante recebe a caixa, ele está recebendo uma provocação, uma peça de quebra-cabeça, uma outra possibilidade de leitura de mundo. Além disso, é uma forma de valorizar a circulação do dinheiro entre a população feminina negra. A missão da livraria é valorizar saberes pretos, principalmente os de mulheres.

A busca pelo reconhecimento das sabedorias negras também motivou o escritor angolano João Canda a criar, em 2018, o Clube Literatura Africana, associado a seu projeto Literáfrica. Mensalmente, os assinantes recebem um livro escrito por autores de diferentes países da África . Os planos partem de R$ 70 (mensal) e chegam a R$ 700 (anual), modalidade que inclui descontos em eventos culturais do Literáfrica e participação gratuita em cursos oferecidos pelo projeto, como o de língua Kikongo, falada em regiões do lado ocidental do continente.

— Existe uma África que não é lida no Brasil. O clube surge dessa necessidade de fortalecer os laços por meio de obras literárias, e de reconstruir o imaginário que se tem da África no mundo inteiro. Apostamos muito em autores contemporâneos, que têm feito um trabalho excelentíssimo de retorno à origem do povo negro — conta João, que vive no Brasil há cinco anos.

Público jovem

De acordo com a Betalabs, os clubes por assinatura cresceram 60% no ano passado em relação a 2019. Na primeira posição, estão os literários, um tanto à frente dos de bebidas (18%) e alimentos (17%). Entre os assinantes de clubes, mais da metade (55%) são jovens entre 18 e 34 anos.

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Para conquistar a juventude amante da cultura geek, o Nerd ao Cubo mistura livros, HQs, camisetas e artigos de decoração em planos a partir de R$ 79,90. Já o  “Minha biblioteca católica”, criado por um grupo de jovens cristãos, entrega mensalmente aos assinantes uma obra religiosa exclusiva, mais um brinde. O serviço sai por R$ 59,90.

Na avaliação de Ana Cecilia Impellizieri, a tendência é que os clubes se fortaleçam (e se segmentem) ainda mais. No entanto, ela diz temer o impacto disso nas livrarias de menor porte:

— Esse modelo estimula muito o engajamento dos leitores e a formação de novos. Mas, se o mercado virar só clubes de assinatura, isso enfraquece as pequenas livrarias, que ficam numa posição muito desconfortável sempre, já que cada um pode fazer o preço que quiser. No caso do Clube F., vamos buscar parcerias com livrarias independentes, também dirigidas e fundadas por mulheres. É uma forma de ampliar o sentido do trabalho que queremos fazer. Não dá para esquecer as livreiras — defende.