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Com tintas surrealistas, ‘Alice’ do inglês Anthony Browne ganha nova edição

Publicada há quase 30 anos, versão do premiado ilustrador foi inspirada em Magritte e Dalí

Ilustração de Anthony Browne para ‘Alice no País das Maravilhas’, agora reeditada na Inglaterra
Foto: Reprodução / Reprodução
Ilustração de Anthony Browne para ‘Alice no País das Maravilhas’, agora reeditada na Inglaterra Foto: Reprodução / Reprodução

LONDRES - Quase 30 anos depois do lançamento da versão de “Alice no país das maravilhas” ilustrada pelo inglês Anthony Browne, a editora britânica Walker acaba de lançar uma edição comemorativa desta que é considerada uma das interpretações mais bem-sucedidas da história de Lewis Carroll. Vencedor de diversos prêmios — entre eles o prestigiado Hans Christian Andersen, em 2000 —, Browne, um dos mais importantes autores de livros infantis da atualidade, reconhece que, à época, sentiu-se tão desafiado que chegou a pensar que não conseguiria concluir o trabalho. E admite que, se dependesse dele, não teria ilustrado a cena em que Alice desce pelo buraco do coelho, porque ela já foi minuciosamente descrita pelo próprio Carroll no livro. Ao GLOBO, sempre bem-humorado, afirmou que é, antes de mais nada, um perfeccionista — vê defeitos na própria barba quando se olha no espelho ao longo do dia. Mas admite que, anos depois, se sente bem com o resultado final das aventuras de Alice. Browne, que já vendeu cinco milhões de livros entre os títulos que publicou pela editora — no Brasil, a Zahar lançou em 2014 “Gorila”, “O túnel”, “Na floresta” e “Vozes” — começou a carreira no final da década de 1960, quando fazia ilustrações para livros de medicina.

Alice completa 150 anos de grande sucesso no mundo inteiro. Por que agrada a públicos tão distintos pelo mundo?

É muito universal. Não resta dúvida. Talvez porque tenha sido algo muito pessoal para Lewis Carroll. Não sabemos muito sobre ele. Era muito diferente. Ao mesmo tempo, a história também é muito visual. Poderia ser lida e interpretada mesmo sem as ilustrações. Acho que tem um pouco do fenômeno de William Shakespeare, que pode ser impresso e interpretado de tantas maneiras diferentes.

Como você se sentiu ao ilustrar uma obra já tão consagrada?

Confesso que fiquei com medo. Me pediram que ilustrasse um clássico e sugeri que fosse “Alice no país das maravilhas”. Era o meu favorito desde criança. Mas fiquei preocupado, era como um teste, um grande desafio. Seriam muitos olhos sobre o mundo de Alice. Tive um grande bloqueio, porque não queria imitar John Tenniell. Ele fez fantasticamente bem.

E o que levou a seguir na empreitada? Que escolhas precisou fazer? Há influências de René Magritte e Salvador Dalí nas suas ilustrações.

É uma história de um sonho, surrealista. Fui buscar referências nos surrealistas. O livro era um grande favorito deles. Queria me concentrar nos aspectos do sonho. Pensei no Chapeleiro Maluco, uma espécie de esquizofrênico. Tentei mostrá-lo alegre e triste, dar uma aparência interessante a ele. O próprio Lewis Carroll tinha muitas faces. Talvez fosse uma coincidência. Usei muitos detalhes disfarçados, que, de tão mergulhado que estava no trabalho, talvez tenham vindo do meu subconsciente.

Tipo o quê?

Depois que o livro foi publicado, ouvi uma entrevista no rádio de um membro da Sociedade Lewis Carroll. Ele gostou da maneira que introduzi o coelho na história, quando aparece apenas o reflexo de um coelho no lago. Não foi consciente. Só fui perceber isso depois.


O premiado ilustrador britânico Anthony Browne, que ficou famoso por sua ‘Alice’ surrealista
Foto: Divulgação/Walker Books
O premiado ilustrador britânico Anthony Browne, que ficou famoso por sua ‘Alice’ surrealista Foto: Divulgação/Walker Books

Como foi o processo de criação?

Aconteceram muitas coisas que nunca haviam acontecido comigo com outras ilustrações. A cena do coelho caindo pelo buraco foi descrita por Carroll de maneira muito vívida. E, por isso mesmo, eu tinha resolvido deixá-la de fora. Mas o editor pediu que fizesse também. Fiz um rascunho das estantes e deixei de lado. Não sabia o que ia acontecer ali. Só fiz essa cena no final, por último. Quando comecei a pintar, não tinha planejado nada. Foi uma coisa que foi se desenvolvendo, a mais pura invenção.

Este é um livro que agrada crianças e adultos. Você pensou no público mais velho ao fazer as ilustrações?

Não fiz nada consciente para agradar adultos. Todos os bons livros de crianças são feitos para serem lidos juntos. Crianças e adultos.

Quanto tempo levou para ficar pronto?

De nove meses a um ano. Cada ilustração levou cerca de uma semana para ser feita. Desde o início, achava que não ia dar conta. Então decidi esquecer do Carroll e mergulhei na história.

Você se sente satisfeito com o resultado?

Não completamente. Para dizer a verdade, não estou satisfeito nunca. Quando me olho no espelho, descubro pedaços do meu rosto em que a barba não está bem feita, que deixei passar. Vejo o que ninguém vê. Mas já não penso assim de “Alice”. Tenho uma sensação boa do livro.

Você tem algum projeto novo em vista?

Fiquei um tempo um pouco de molho, pois quebrei o dedo. Pois é, logo o dedo (risos). Mas estou trabalhando numa nova história do chimpanzé Willy, que num belo dia de sol, quando vai ao parque, é perseguido por uma nuvem.