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Conheça Mailson Furtado Viana, o cearense de 27 anos que venceu o Jabuti de livro do ano

Sertanejo, que também é ator, dramaturgo e dentista, lançou 'À cidade' de forma independente
O escritor Mailson Furtado Viana, que ganhou o Jabuti Foto: Divulgação/Estúdio Wtf
O escritor Mailson Furtado Viana, que ganhou o Jabuti Foto: Divulgação/Estúdio Wtf

RIO — Quarenta e oito horas atrás, Mailson Furtado Viana era praticamente um desconhecido. Na noite desta quinta-feira, tudo mudou.

O cearense de apenas 27 anos venceu o Jabuti de livro do ano por “À cidade” , também premiado na categoria poesia, e vai receber R$ 100 mil. A vitória era tão inesperada que Viana quase não se deu ao trabalho de ir à cerimônia, realizada no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo. Seu desejo, agora, é que a láurea jogue luz sobre o trabalho de autores independentes como ele.

— Essa premiação abrirá portas para apresentar uma forma de produção que caracteriza grande parte das publicações atuais. Existe, sim, literatura de qualidade feita de forma independente — diz o poeta, admitindo que a “ficha ainda não caiu totalmente.”

Foi ele próprio quem diagramou, editou e ilustrou a capa do volume. Fez o mesmo em seus três livros anteriores: “Sortimento” (2012), “Conto a conto” (2013) e “Versos pingados” (2014). A diferença é que, dessa vez, ele aprendeu um pouco sobre Photoshop, Corel Draw e outros programas de diagramação para criar um produto apresentável. No ano passado, enviou o resultado para uma gráfica, que imprimiu cerca de 300 cópias.

— Até ontem havia mais uns 40 exemplares sobrando. Mas aí ganhei o Jabuti e agora está esgotado. Quem quiser comprar o livro não vai conseguir — ri ele. — Mas prometo tomar providências.

Influência de Suassuna

Mailson Furtado é do sertão. Nasceu em Cariré, em 1991, e cresceu em Varjota, uma cidadezinha no norte cearense, onde ainda mora. Dividido em quatro partes — presente, pretérito, pretérito-mais-que-perfeito e futuro do pretérito —, o livro traça cenas cotidianas de uma cidade semelhante à sua, mas não há referência direta. Os versos falam de crianças acordando e indo para a escola, passeios na praça, ruas movimentadas e noites de boemia.

— Os poemas trazem elementos folclóricos, geográficos e metafísicos da região. Ao longo dos capítulos, falo da cidade como ela é; de sua formação social, histórica e antropológica; e dos costumes das pessoas. Na última parte, falo sobre como a cidade pode ser. É uma seção sombria, ou melhor, nublada, porque não se pode prever o futuro.

A origem de “À cidade” está em 2015, quando o autor leu “Romance d’a Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta”, de Ariano Suassuna (1927-2014). Encantou-se com a descrição do sertão feita pelo paraibano. Uma semana depois, viajou pelas áreas retratadas no livro e sentiu que já conhecia tudo.

— Suassuna mapeou uma geografia. Quando voltei para casa, fiquei com isso na cabeça. Decidi mapear, do meu jeito, o lugar onde eu morava.

Viana é cirurgião-dentista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). É por meio dessa profissão que ele se sustenta. Nas horas vagas, além de escritor, também é ator, dramaturgo e produtor cultural. Fundou, em 2006, a companhia teatral Criando Arte, que já fez cerca de dez espetáculos, além de inúmeros esquetes. Atualmente, o grupo apresenta uma peça chamada “Tanto nós”.

— É sobre a utopia de ser jovem no sertão — explica. — Consegui ser artista num lugar que não dá perspectiva de crescimento. A gente tenta mostrar que é possível.

A entrada no universo artístico se deu no Ensino Médio, quando Mailson deu a sorte de encontrar, na escola, uma turma interessadíssima por cultura. À noite, o grupo saía para discutir filosofia, política e literatura. Foi o que o levou para o teatro e... a música.

— Inicialmente quis ser letrista, mas minhas composições eram bem ruins no começo — diverte-se. — Mas foi o estopim para fazer a transição em direção à poesia e ao teatro.

Foi nos palcos que conheceu a mulher, também atriz. Hoje, é pai de Fernando, de 2 anos.

— Minha família vem do campo. Meu pai é agricultor, e minha mãe, dona de casa. São sertanejos raiz. Não trabalham diretamente com arte, mas sempre me deram liberdade para fazer o que eu quisesse. Isso é, por si só, um grande apoio. Eles estão muito felizes.