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Crítica: Em ‘A cidade mulher’, Alvaro Moreyra mostra-se simpático às novidades

Livro foi publicado originalmente em 1923 e estava há 25 anos fora de catálogo

RIO — O gaúcho Alvaro Moreyra, poeta, jornalista, autor teatral, diretor (ao lado de J. Carlos) de publicações como “O Malho” e “Para Todos”, é hoje um autor pouco conhecido. Nunca é fácil encontrar os motivos que levam um escritor ou um livro a cair no esquecimento, ainda mais quando se trata de um nome que, como Alvaro Moreyra, foi muito lido e imitado em sua época. Talvez pese o fato, neste como em tantos outros casos, de que grande parte da produção de Alvaro Moreyra nunca foi reeditada. O volume que agora ganha nova edição pela editora Mauad X, “A cidade mulher”, foi publicado originalmente em 1923 e estava há 25 anos fora de catálogo. O livro é composto por pequenas crônicas (boa parte delas não vão além de umas poucas linhas), recortes do cotidiano tomados ao longo de um ano.

Essa brevidade é, decerto, a primeira coisa que chama a atenção do leitor recém-chegado à obra de Alvaro Moreyra. Uma característica, aliás, de toda sua produção — mesmo em seus livros de memórias, ele adotou a forma fragmentária. Tal concisão é reforçada por uma linguagem enxuta, despojada de qualquer arrebique. Uma “estudada simplicidade” (a definição é do crítico João Ribeiro) que em parte é reação a certa eloquência esparramada, bem brasileira.

Outro tanto se deve a um indisfarçável gosto pelo epigrama. Alvaro Moreyra mostra-se simpático às novidades, as modas que surgem, a influência americana que vai se sobrepondo à francesa. Na crônica “Tudo é novo sob o sol”, um moderno Arlequim percorre as ruas da cidade: “E logo o espelho ao lado da mesa mostrou- o dentro do terno palm beach, em pleno século XX, depois da grande guerra na Europa e do Centenário da Independência no Brasil... (...) Na Avenida, os cinemas retiniam. Jack Holt, Mary Miles Minter, Constance Talmadge, Shirley Mason… (…) Uma exposição de quadros. Bondes, carros de mão, muitos rapazes. — Você já leu a Pauliceia Desvairada, de Mário de Andrade?” Mas na tentativa de preservar o efêmero, seu olhar está sobretudo voltado para o fato mínimo. Ao descrever uma cena da vida noturna, ele se afasta da balbúrdia do club que ecoa o tango e o foxtrote e dirige sua atenção ao porteiro que, exausto, cochila ao relento.

A certa altura, ao comentar a obra em prosa do poeta Mário Pederneiras, Alvaro Moreyra parece descrever seu próprio livro: “de impressão sentimental, risonha, espécies de jornais da sua alma e da alma da cidade”. Não podia ser mais certeiro. Aqui também há muito de um jornal, na sua preocupação em registrar a hora que passa. Indo das ocorrências mínimas à rememoração de episódios históricos, em instantâneos que procuram fixar a agitação da cidade.

Pois a “cidade mulher”, que não é outra que o próprio Rio de Janeiro, parece rejuvenescer com os anos, aos olhos do cronista “tem o tempo contado às avessas”. Ideia que parece estar em parte ligada às reformas urbanísticas pelas quais a cidade passou desde os tempos de D. João VI. Hoje parece ingênua a ideia de um rejuvenescimento obtido debaixo de golpes de picareta. Da mesma forma como muitas vezes nos soa ingênuo o otimismo que permeia o livro. Mas é preciso notar que essa ingenuidade é procurada pelo cronista, que deseja justamente ver o mundo, desde as coisas mais triviais, com a mesma “expressão ingênua e irônica dos olhos que viram os primeiros aeroplanos”.

Cotação: bom

* Rafael Monte pesquisa livros obscuros dos séculos passados na coluna “Os Colombos", da “Revista Pessoa”