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Diva Guimarães: 'As pessoas nem acreditavam que existia racismo'

Figura marcante Flip 2017, professora também encantou na Bienal do Livro do Rio
A professora Diva Guimarães na Bienal do Livro Foto: Leo Martins / Agência O Globo
A professora Diva Guimarães na Bienal do Livro Foto: Leo Martins / Agência O Globo

RIO - Depois da última Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), Diva Guimarães se tornou, como ela mesmo define, um "grilo falante". Em agosto, a professora aposentada de 77 anos emocionou o público do evento ao tomar o microfone e interromper uma das mesas do evento para dar um depoimento sobre racismo. O vídeo com o resgistro da cena foi visto por mais de 13 milhões de pessoas e Diva se transformou na principal estrela da 15ª Flip, onde passou a ser parada nas ruas de Paraty e ser requisitada para selfies e entrevistas. Além de mudar a Flip, sua intervenção também trouxe uma contribuição importante para o debate do racismo no país. Não à toa, os convites se multiplicaram após Paraty, e ela não para mais em sua casa, em Curitiba, viajando para participar de palestras, programas de TV e eventos literários Brasil afora.

Um desses eventos foi a 18ª Bienal do Livro do Rio, que se encerra neste domingo. Ela participou, no último dia 5, do 2º Fórum de Educação, promovido no evento pelo Canal Futura. Um pouco antes de sua palestra, ela conversou com o GLOBO sobre sua rotina após a repercussão na Flip e a responsabilidade em se tornar uma porta-voz.

O que mudou na sua vida depois da Flip?

Antes da Flip, eu era bastante tímida, escondidinha. Estou assustadíssima ainda com toda a atenção, mas o mais importante de tudo que aconteceu comigo é que hoje eu sou aquela filha que a minha mãe fez o parto, em 1940. Porque a gente viveu sempre com uma máscara, por questão de defesa. Agora posso ser a verdadeira que nasceu, lá atrás.

Um mês depois, como avalia as reações ao seu depoimento?

Fico feliz com o  número de adolescentes que me procuraram para conversar, para se colocar, para me dizer o quanto foi importante o que eles ouviram. São brancos e negros, pobres e ricos. Uma menina lá em Paraty, de uns treze anos, super branca, me abraçou chorando muito e me pediu perdão pelo que os antepassados fizeram para nós. Eu disse que ela não tinha razão par se desculpar, que ela não era responsável pelo que os antepassados fizeram. Que, para mim, o importante é que eu sabia que nem ela nem os filhos dela iriam fazer.

Para muitas pessoas, o seu depoimento foi como uma iluminação. Por que o racismo é tão difícil de ser notado no Brasil?

A maioria das pessoas nem acreditava que existia [o racismo]. Depois do vídeo, minha própria vizinha, que é uma pessoa espetacular, se surpreendeu. Ela disse: "Diva, quando você falava alguma coisa eu achava que era exagero". Quando ela viu o video, chorou. E eu disse a ela: "Não falei nada ainda. Vocês matam um leão por um dia, eu devo matar uns vinte para sobreviver.

Você tem recebido muitos emails e telefonemas do Brasil todo? Qual o perfil das pessoas que lhe  procuram?

Todo dia recebo algo. Acho que o perfil é 90% branco. Mas eu tenho encontrado muitas pessoas negras, adolescentes negros, pessoal da periferia, que vem conversar comigo, diz que vai estudar por causa de mim. Eu digo: "Não, você não vai estudar por minha causa, você vai estudar porque tem capacidade".

E o que dizem as mensagens das pessoas brancas?

Às vezes querem saber da minha vida. Às vezes querem aparecer na foto.

Algumas pessoas vêm tirar foto só porque veem a senhora como uma celebridade, e não porque falou algo importante ou porque querem ouvir o que tem a dizer?

A maioria das pessoas não quer tirar foto por pensar que sou uma celebridade. E não sou celebridade, detesto essa palavra. Eu sou professora, isso sim. Acho que me procuram mais por uma curiosidade do que eu falei lá [em Paraty], que para mim foi um renascimento.

Muitos negros lhe veem como uma porta voz. Querem que você fale por eles. Como é lidar com essa responsabilidade? Até onde gostaria de poder levar essa mensagem?

A responsabilidade é grande, eu tenho certeza da minha responsabilidade. Enquanto houver  oportunidade, eu não me nego a falar. Mesmo se for para uma entidade que não tem interese nenhum pelos negros, eu vou falar. Porque pelo menos eu vou incomodar. Tem os plantonistas do contra, falam que quero dinheiro, que estou aproveitando... Não estou ganhando dinheiro, não, mas uma coisa eles têm razão: eu estou aproveitando. Porque levei 77 anos para ter essa oportunidade.

De ser ouvida...

Levei a minha vida inteira. "Ah, mas a senhora levou [o depoimento] por escrito". Mas, gente, a dor da alma não está escrita em lugar algum. Se um em milhões mudar a postura por ter me ouvido,  estou feliz.  Enquanto houver oportunidade, eu vou falar.

Algum plano de escrever livro? Houve convites?

Vários. Mas não é do meu interesse pensar nisso. Por enquanto, não. Talvez algum dia.