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Do Cariri a Paraty, o sertão urbanizado de Jarid Arraes

Atração da Flip, cordelista e poeta cearense lança livro em junho, com contos que evocam memórias da sua região
Jarid Arraes: a autora de 28 anos vai lançar em junho "Redemoinho em dia quente" Foto: Divulgação
Jarid Arraes: a autora de 28 anos vai lançar em junho "Redemoinho em dia quente" Foto: Divulgação

Rio - As raízes do Cariri são impossíveis de arrancar da escrita de Jarid Arraes. A autora cearense derrama um pouco do seu Sertão natal em todas as suas tintas. Foi assim em seus cordéis que resgatam a trajetória de heroínas negras ignoradas pela História oficial; e será assim em seu próximo livro de contos, “Redemoinho em dia quente”, que sai mês que vem pela Alfaguara. Jarid também é a mais nova atração confirmada da 17ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que vai de 10 a 14 de julho.

Leia mais sobre a Flip: Euclides da Cunha é o autor homenageado na edição de 2019

— Se sou escritora foi porque aprendi com o Cariri — diz a poeta, cordelista e ficcionista de 28 anos, nascida em Juazeiro do Norte e radicada em São Paulo desde 2014. — Minha visão de mundo, incluindo minha visão revoltosa, eu aprendi a partir do meu lugar de menina no Cariri. São distanciamentos da tradição, ao mesmo tempo que carrego algumas tradições que pra mim são como bichos daquele mato, como a literatura de cordel. É uma contradição danada. Vivo fazendo as pazes entre a gente. Amigos de infância.

A “sertaneja urbanizada cheia de complexidades”, como Jarid se define, desafia a tradição. Em “Redemoinho em dia quente”, ela novamente coloca as mulheres no centro do palco. As personagens vivem num sertão “meio urbano, meio tradicional, meio futuro”, e muitas vezes se descolam da representação habitual. São idosas lésbicas, jovens bissexuais, uma mulher trans, uma negra esquecida no Cariri, uma senhora de igreja que busca a transgressão em busca de Padre Cícero... Em comum, o sol e a chuva que acompanham as suas vidas.

— Uma relação vivida por mulheres, narrada por mulheres e escrita por uma mulher — resume Jarid. — É sempre a visão das mulheres. E também minha visão. Só eu poderia escrever esse livro tão cheio de um amor estranho assim por esse algo. Eu me surpreendi muito com minha memória. Como lembrei de ruas, cenários, figuras, desde quando cresci, até ano passado, quando estive lá.

“Aprendi com o cordel a enxergar a escrita como uma estética que não sobrevive sem uma identidade muito consciente de quem é, do que diz, por que diz. Literatura vendida a dois reais. Autonomia. Não depender de ninguém pra publicar o que escrevo”

Jarid Arraes
Escritora

Jarid cresceu cercada pelas manifestações culturais nordestinas; tanto seu pai quanto o seu avô eram cordelistas e xilogravadores. Embora tenha começado a escrever cordel para manter o gênero vivo, ela faz parte de uma nova geração que ajudou a expandir os limites dessa tradição, com outros temas e histórias. Com mais de 60 títulos de cordel, tenta fugir do machismo presente entre autores mais velhos. E também vai além dos temas clássicos, como os “grandes cabras”.

Luz sobre heroínas negras

O seu “Heroínas negras brasileiras”, por exemplo, é repleto de mulheres apagadas dos livros da escola, como Maria Firmina dos Reis, a primeira romancista do país; e Luiza Mahin, uma ex-escrava e abolicionista.

O cordel está sempre presente de alguma forma na vida da autora, influenciando sua poesia e seus contos. Não apenas no aspecto formal, mas também na autonomia da produção. “Redemoinho em dia quente” conta, inclusive, com uma narrativa em forma de cordel.

— Aprendi com o cordel a enxergar a escrita como uma estética que não sobrevive sem uma identidade muito consciente de quem é, do que diz, por que diz — diz Jarid. — Literatura vendida a dois reais. Autonomia. Não depender de ninguém pra publicar o que escrevo. A coisa do ritmo, as palavras que uso nos meus cordéis e uso nos contos. O sotaque. Porque é minha identidade, no fim das contas.

Oriunda de uma “jornada independente”, Jarid estreia em uma grande editora. Também estará pela primeira vez na programação oficial da Flip.

— Eu acho maravilhoso, e o momento é perfeito. Se tinha que rolar, era agora. Acho que também já venho caminhando de longe e fiz muita coisa pelas beiradas. Acho retumbante que eu seja uma mulher cordelista no palco principal da Flip. É retumbante porque é uma questão que sempre defendo: o cordel como literatura de igual para igual. Não como algo folclórico e menor. Estou ali para falar disso também. É um momento de aprendizagem. E sempre falo que é algo maior do que. Por isso é um “toma na cara”. Porque é coletivo, porque nunca falei apenas por mim.

Outros nomes já  confirmados para a Flip

Miguel Gomes. Diretor do premiado longa “Tabu”, o português prepara uma versão cinematográfica de “Os sertões”, de Euclides da Cunha, autor homenageado nesta edição.

Kristen Roupenian. A americana é autora do conto viral “Cat person”, que também dá título à sua coletânea de contos lançada no ano passado no Brasil pela Cia das Letras.

Kalaf Epalanga. O angolano, que vive entre Lisboa e Berlim, é autor de “Também os brancos sabem dançar” (Todavia).

Sheila Heti. Autora de “Maternidade” (Cia das Letras), a canadense foi considerada pelo “NYT” uma das principais ficcionistas contemporâneas.

Grada Kilomba. A artista interdisciplinar portuguesa lançará na Flip o seu livro “Memórias da plantação: Episódios do racismo cotidiano”, pela Cobogó.

Carmen Maria Machado. A americana foi finalista do National Book Award com sua coletânea de contos “O corpo dela e outras farras” (Planeta).

Karina Sainz Borgo. A jornalista venezuelana reflete sobre a degradação de seu país no livro “Noite em Caracas” (Intrínseca), sua estreia na ficção.

Ismail Xavier. Um dos mais renomados teóricos de cinema do Brasil, é Ph.D. na New York University e tem diversos livros sobre o Cinema Novo.

Walnice Nogueira Galvão. Referência em estudos sobre Euclides da Cunha, a paulistana é Professora Emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Ayelet Gundar-Goshen. A escritora e psicóloga israelense é autora de “Uma noite, Markovitch”, romance traduzido para 14 línguas e publicado no Brasil pela Todavia.<SW>

Marilene Felinto. O romance de estreia da autora pernambucana, “As mulheres de Tijucopapo”, recebeu o Prêmio Jabuti na categoria “Revelação de Autor” em 1982.

Ayobami Adebayo . Aluna de Chimamanda Ngozi Adichie e de Margaret Atwood, a escritora nigeriana lançou “Fique comigo” em 2017. O romance entrou na lista dos jornais “Guardian” e “New York Times” dos melhores daquele ano.