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Editora Cosac Naify decide fechar as portas depois de 18 anos de atividade

Decisão do editor e sócio Charles Cosac pegou funcionários e o mercado editorial de surpresa
O empresário Charles Cosac, em foto de 2011 Foto: Regis Filho / Agência O Globo
O empresário Charles Cosac, em foto de 2011 Foto: Regis Filho / Agência O Globo

RIO E SÃO PAULO —A editora Cosac Naify vai fechar as portas da mesma forma como começou, há quase 20 anos: por iniciativa pessoal do editor e sócio Charles Cosac. O anúncio, feito em entrevista a “O Estado de S. Paulo” na segunda-feira, surpreendeu os funcionários. Eles ficaram sabendo do encerramento das atividades pela imprensa. Um comunicado do editor só foi enviado por e-mail por volta das 23h de segunda. Com 1.600 títulos lançados desde a fundação, em 1997, a editora se destacou por suas edições de luxo e de livros de arte, além de ser responsável por publicar no Brasil autores contemporâneos consagrados, como o espanhol Enrique Vila-Matas.

O destino do rico catálogo, que inclui obras de artistas como Tunga e Angelo Venosa, é um mistério. Ontem pela manhã, o clima na editora era de perplexidade. À tarde, haveria uma reunião de Cosac com a equipe para explicar os próximos passos e quais áreas da empresa seriam fechadas. Ao “Estado” Cosac garantiu que vai fazer o possível para que os livros sejam publicados por outras editoras. Ele disse que consultou o seu sócio, o americano Michael Naify, e decidiu fechar as portas porque a editora estava “se descaracterizando” ao apostar em projetos que dessem sustentação financeira ao negócio.

“Eu vejo a editora se afastando daquilo que fez ela tão querida, e prefiro encerrar as atividades a buscar uma solução que possa comprometer seu passado”, afirmou Cosac, descartando a possibilidade de fusão com outro grupo editorial. Segundo a Nielsen, que monitora o mercado editorial, a Cosac Naify respondeu por 0,69% do faturamento do varejo de livros em 2014. Procurada pelo GLOBO, a editora não quis se pronunciar. Em mensagem no Facebook, a empresa agradeceu “as mensagens de carinho” e prometeu para breve “mais detalhes sobre o fim de nossas operações”.

Desde outubro do ano passado, o próprio Charles Cosac estava à frente do dia a dia da casa, após a saída de Bernardo Ajzenberg do cargo de diretor-executivo. Neste ano, dois cortes reduziram em cerca de 30% a folha de pagamento da empresa. Saldões, com descontos de até 70%, vinham sendo feitos nos últimos meses.

VOCAÇÃO ORIGINAL

A editora Heloísa Jahn deixou a Cosac Naify em maio, após três anos. Ela chegou à casa para instituir uma área de literatura brasileira contemporânea. No mesmo mês, Isabel Coelho deixou a diretoria de infantojuvenis. As movimentações faziam parte de um projeto de reformulação em busca da vocação original da editora: livros de arte, antropologia e psicologia.

— Dá muita pena ver um trabalho como esse chegando ao fim. Era uma atividade muito prazerosa, e as indicações que recebemos no Jabuti e no Oceanos, além da vitória do Estevão Azevedo no Prêmio São Paulo (leia mais ao lado), são prova disso — disse Heloísa.

Para o português Valter Hugo Mãe, um dos autores da casa e amigo de Charles Cosac, “ele precisa garantir que seu grande sonho não vire um pesadelo”:

— É triste que o mundo perca uma editora tão perfeita quanto a Cosac Naify, mas faço votos de que tudo aconteça em paz e que cada pessoa envolvida nessa perda possa encontrar lugar em outros projetos igualmente inspiradores.

Marcos Pereira, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livro, classificou a notícia como “um susto e uma perda para o mercado”:

— Desde a sua fundação, a Cosac quis se estabelecer como uma editora diferenciada, de excepcional qualidade. Num mercado de tiragens pequenas e preços altos, você trabalha com um nicho cada vez menor. Isso num cenário, nos último cinco anos, de estagnação de vendas, aceleração da inflação e uma maior fragilidade do mercado livreiro.

A agente literária Lucia Riff também foi surpreendida pela notícia. Ela tem vários autores na editora e conta que fechou contrato de novas obras há poucos dias.

— Ainda não sei o que vai acontecer, a situação toda é uma tristeza. Nunca vi nada semelhante. Uma editora tão querida, respeitada, com um catálogo sensacional, simplesmente fechar as portas — diz Lucia.

Paulo Werneck, curador da Festa Literária Internacional de Paraty e com duas passagens pela Cosac, ressaltou o papel cumprido pela casa:

— A Cosac alargou o horizonte cultural e editorial do Brasil, que agora fica mais estreito. Sempre fez coisas inesperadas, e a capacidade de surpreender é fundamental na vida intelectual.

Charles Cosac nunca escondeu que a empresa operava no vermelho e que precisou, diversas vezes, injetar capital próprio para fechar as contas. Ao “Estado”, disse que investiu cerca de R$ 70 milhões e nunca obteve retorno. O último livro a ser lançado será do artista pernambucano Tunga, o mesmo autor do primeiro título da Cosac, “Barroco de lírios”. Contudo, o artista visual Vicente de Mello, que lançou pela casa “Parallaxis” no ano passado e colaborou como fotógrafo em vários projetos pessoais do editor, aposta que Cosac não vai ficar muito tempo parado.

— O Charles não vai se aposentar, não há possibilidade de isso acontecer. Ele pode até fechar essa estrutura editorial que tinha, muito grande, mas ele é um ser tão pulsante que alguma coisa vai continuar, talvez pequenas edições.