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Editoras retomam megalançamentos com lives e turnês virtuais

Com pandemia, investimento online vai do novo livro de Dan Brown a autobiografia da Xuxa
Livros abertos: novas apostas chegam ao mercado Foto: Agência O Globo
Livros abertos: novas apostas chegam ao mercado Foto: Agência O Globo

Com leitores ainda receosos de flanar pelas livrarias em busca de novidades , e eventos literários presenciais sem data para voltar, autores e editoras estão apostando em novas estratégias de marketing para chegar ao público. E elas vêm salvando o mercado até aqui. O crescimento das vendas on-line e a boa recepção do público para eventos virtuais foram suficientes para convencer as editoras a retomarem os megalançamentos durante a pandemia. Em setembro, chegam ao mercado títulos de autores best-sellers como Dan Brown, Ken Follett, Yuval Harari e Elena Ferrante , além de apostas como as memórias de Xuxa Meneghel.

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Dan Brown, por exemplo, tinha um plano bem definido para a divulgação de seu primeiro livro infantil, “Sinfonia dos animais”, que estará nas livrarias físicas e virtuais de vários países na próxima terça-feira. O autor compôs uma música para cada personagem da obra (cujo protagonista é um rato-maestro), que seriam executadas por orquestras em diferentes cantos do mundo, da Argentina à Nova Zelândia. Mas veio o surto de Covid-19 e, com ele, as limitações para viagens e aglomerações. A maioria das apresentações foi adiada — por enquanto estão confirmados apenas um concerto em Zagreb (Croácia) e outro em Portsmouth (EUA). O público será reduzido, o número de músicos também.

Por outro lado, Brown compensou a distância com aparições on-line. Em maio, ele surgiu em uma live no canal da Arqueiro, que o edita no Brasil. Falando especialmente para os fãs brasileiros, apresentou sua biblioteca, falou sobre o novo livro e revelou até uma passagem secreta em sua casa. O vídeo teve já teve mais de 50 mil visualizações.

Ken Follett, famoso por convidar jornalistas para turnês em castelos europeus , também buscou soluções criativas para contornar a ausência de encontros presenciais. No próximo dia 2, ele vai anunciar uma parceria com dois museus para uma experiência imersiva na história de seu novo romance, “O crepúsculo e a aurora”(com lançamento previsto para o dia 15, também pela Arqueiro), que mostra o embate ente galeses e vikings na Inglaterra no ano de 997 d.C. Ele guiará um passeio virtual entre tapeçarias antigas no Reading Museum e fará uma palestra no Jorvik Viking Centre sobre expedições vikings.

— Com o fechamento das livrarias, especialmente das grandes redes, as editoras perderam a possibilidade de expor na vitrine, e isso tem sido um desafio enorme — diz Marcos da Veiga Pereira, sócio-fundador da Sextante, da qual faz parte a Arqueiro, e presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL). — Mas os autores compreenderam a necessidade de mudar. Quando propus a live a Dan Brown e ele aceitou, fiquei até surpreso. É o tipo de coisa que ele talvez não fizesse se não fosse a pandemia.

Aumento de vendas

Em março, quando o coronavírus começou a se espalhar pelo país, as editoras (com poucas exceções) se retraíram, segurando os lançamentos e privilegiando os seus catálogos . Mas, após uma queda de 47% no valor de vendas em abril , o mercado editorial mostrou uma recuperação surpreendente. Em julho, houve um aumento do faturamento de 4,4% em relação ao mesmo mês em 2019. Um sinal seguro para as editoras tirarem os best-sellers do freezer.

— Houve uma cautela inicial porque o cenário era imponderável: não se sabia como o mercado ia reagir aos gargalos logísticos. Mas, aos poucos, o varejo on-line demonstrou resiliência e as editoras encontraram novas formas de divulgar os livros — conta Otávio Marques da Costa, publisher da Companhia das Letras.

A editora intensificou sua presença on-line com festivais como o Na Janela, que reuniu escritores em seu canal no YouTube. Entre as apostas da casa para setembro está “Um paciente chamado Brasil” (pelo selo Objetiva), no qual o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta conta os bastidores de sua passagem pelo cargo durante a pandemia.

Livros como “Xuxa Meneghel — Memórias” parecem talhados para eventos com autógrafos, selfies, beijinhos e muita aglomeração com os fãs. Em vez de adiar o título para o ano que vem, porém, a GloboLivros decidiu apostar na força das redes sociais e lançá-lo já este mês. Depois que o livro chegar às livrarias estão previstas lives com a apresentadora.

As redes também foram essenciais na estratégia da Intrínseca para “Sol da meia-noite”, aguardada volta da saga “Crepúsculo”. Mesmo sem poder arrastar os membros dos seus fã-clubes de Bella e Edward, o livro chegou aos mais vendidos somente com as vendas on-line em seu primeiro dia de lançamento, no início do mês .

A Galera Record montou operações bem-sucedidas para botar no mercado dois produtos especiais de Sarah J. Maas, uma de suas principais autoras de fantasia. O box de “Corte de espinhos e rosas” teve sua pré-venda divulgada em uma live (a primeira de Sarah para o público brasileiro) e esgotou logo nos primeiros dias. Para o lançamento da sua nova série, “Cidade da lua crescente”, a editora inovou: fez duas pré-vendas exclusivas, uma com a Amazon e uma com o Submarino. E cada uma com um brinde colecionável diferente.

— Com isso, a gente deu a possibilidade de os fãs escolherem por qual canal comprar e qual brinde é mais atraente — diz Rafaella Machado, do Grupo Record. — Por conta dessa campanha, esgotamos toda a tiragem em 24 horas, e agora vamos triplicar a prevista para a série. A gente pensava que as tiragens seriam menores agora, mas foi o contrário. Concentrou tudo no on-line.

Nem todo megalançamento, contudo, consegue sobreviver apenas com estratégias virtuais. Se é fácil vender nomes já familiares do público, o mesmo não acontece quando se trata de emplacar autores ainda desconhecidos. Aposta alta da Arqueiro lançada bem no início da pandemia, o thriller “Gaiola de ouro”, da sueca Camilla Läckberg, não vendeu o esperado. Segundo a editora, pesou a falta de destaque que as vitrines costumam dar. E também a serendipidade própria das lojas físicas, quando o leitor bate o olho naquele produto que ainda não sabia que queria.

Mudança de hábitos

Outro caso representativo é o segundo volume de “Escravidão”, de Laurentino Gomes. A GloboLivros postergou o livro para 2021, para aproveitar melhor o contato do autor com o público nas palestras realizadas em escolas e eventos em todo o Brasil, onde ele tira dúvidas e responde a perguntas. O tipo de interação que funciona melhor ao vivo do que nas redes sociais.

— A migração das vendas para o on-line foi ainda mais rápida do que esperamos, mas isso não significa que as turnês com autores e outros eventos presenciais vão desaparecer — observa Mauro Palermo, diretor da GloboLivros. — O que o mercado percebeu, e já havia percebido até antes da pandemia, é que nem todo livro precisa de evento.

Para Palermo, não há dúvidas: a pandemia vai consagrar a venda on-line. E a mudança nos hábitos de consumo pode ter vindo para ficar.

— Em 2019, os canais on-line representaram 42% do mercado —observa ele. — Minha previsão é que, já em 2021, representarão 70 por cento.