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Em livro, jornalistas como Pedro Bial expõem desafios da imprensa

Um time de profissionais experientes analisa, em 'Tempestade perfeita', o cenário em tempos de crise e tenta trazer respostas para o futuro da profissão
Jornalistas cobrem a primeira reunião da CPI da Covid no Senado Federal Foto: Pablo Jacob / Agência P GLOBO
Jornalistas cobrem a primeira reunião da CPI da Covid no Senado Federal Foto: Pablo Jacob / Agência P GLOBO

RIO — Organizado por Roberto Feith , e com textos dos jornalistas Caio Túlio Costa, Cristina Tardáguila, Luciana Barreto, Helena Celestino, Marina Amaral, Merval Pereira e Pedro Bial, o recém-lançado "Tempestade perfeita" estampa já em seu título à difícil situação do jornalismo na atualidade. O conhecido calque morfológico (do inglês "perfect storm") refere-se a uma rara combinação de circunstâncias capaz de produzir uma tragédia. E assim encontra-se a profissão, obrigada a lidar simultaneamente com as mudanças tecnológicas, os novos modelos de negócios, as polarizações políticas, a explosão das fake news e a constante perda de representatividade das democracias liberais.

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O time escalado pelo editor e jornalista Roberto Feith se junta para, em resumo, responder duas perguntas que assombram as redações: "Como chegamos até aqui e para onde seguiremos?" Com ampla experiência da cobertura jornalística diária em suas áreas, seja na televisão, no jornal impresso ou no fact checking, os profissionais analisam o cenário e tentam trazer respostas.

Ex-correspondente internacional da TV Globo e ex-editor do Globo Repórter, Feith conta que a ideia da publicação surgiu a partir de um texto de Pedro Bial para o livro "O mundo pos-pandemia" , organizado por José Roberto de Castro Neves, que analisava o futuro do jornalismo em meio à crise sanitária. A ideia

— A ideia de jornalistas na ativa, que estão no front, para não assumir um discurso puramente teórico  e acadêmico —  diz Feith. —  O livro mostra que os jornalistas estão correndo atrás, conscientes de que precisam se reinventar.

Nas sete visões da crise do jornalismo profissional, passado, presente e futuro se cruzam. Ex-ombudsman da Folha de S.Paulo e um dos fundadores do UOL, Caio Túlio Costa vislumbra os novos desafios da empresas da imprensa tradicional em uma época de digitalização. Para ele, o jornalismo enfrenta "seu momento mais complicado em cinco séculos de vida", e cabe aos profissionais mapearem onde está seu público consumidor. Pouco importa se é no Facebook ou no Tik Tok - o jornalista precisa ocupar os espaços sempre trazendo o que o diferencia: técnica e senso moral.

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A disseminação das fake news e o perigo que representam para a democracia é outro tema recorrente. Fundadora da Agência Lupa, pioneira do fact checking, Cristina Tardáguila alerta para as tensões na próxima eleição, cuja legitimidade já está sendo questionada por antecipação pelo presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores. O mesmo, aliás, aconteceu nas últimas eleições americanas. Neste contexto, avisa a autora, a importância da verificação dos fatos só aumenta. “Se o Brasil parece estar sofrendo o que ocorre nos Estados Unidos com dois anos de diferença, nossa próxima eleição presidencial será repleta de questionamentos relativos a fraudes. Melhor começar a atuar contra isso imediatamente”.

Os autores não deixam de lado a auto-crítica, fazendo muitas vezes observações duras sobre o estado da imprensa atual. Âncora da CNN Brasil, Luciana Barreto lembra que a falta de diversidade nas redações cria "um impacto imediato da ausência de diversidade no conteúdo que produzimos", o que resulta numa "falta perspectiva do nosso olhar sobre a notícia".

Apresentador do talk show "Conversa com Bial" e ex-apresentador do "Fantástico", Pedro Bial faz um ensaio lúdico em que cita diversos jornalistas e teóricos da comunicação, de , costurando diálogos de personagens fictícios. O texto fragmentado e metalinguístico traduz o imediatismo e aleatoriedade da hiperinformação em tempos de internet, em que o "bom dia de alguém pode ser o boa noite de outro".

— O livro chega em um momento oportuno, estamos escrevendo sobre questões em que pensamos diariamente nas redações — diz Bial. — Precisamos que a reflexão do nosso trabalho seja pública para que o público o entenda melhor. E o livro tem o mérito de não ser autocomplacente, pois ninguém faz crítica ao jornalismo como os próprios jornalistas.

Em todos os textos do livro, fica muito claro como jornalismo e democracia andam juntos. A crise de um é a crise de outro. O que torna a responsabilidade ética dos jornalistas ainda maior.

— Na pandemia, ficou claro que a informação confiável, assim como os relatos do que acontecia pelo país, eram imprescindíveis para orientar os cidadãos — diz Merval Pereira. — Ainda mais quando o próprio presidente Bolsonaro desinformava. Quanto à democracia, a liberdade de expressão é um de seus pilares. O jornalismo, seja em que plataforma for, é um dos princípios da democracia, tanto que as ditaduras tentam cerceá-lo. As novas tecnologias tanto aumentam o alcance das informações, como ajudam a amplificar boatos, as chamadas fake news. Nesse embate, o jornalismo profissional é fundamental para separar o joio do trigo.

“Tempestade perfeita — Sete visões da crise do jornalismo profissional”.  Autor: Roberto Feith (org.). Editora: História Real. Páginas: 368. Preço: R$ 59,90.