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Em novo romance, Raphael Montes troca violência física por terror psicológico

‘Uma mulher no escuro’ traz jovem perseguida por assassino e traumas do passado
O escritor Raphael Montes Foto: Divulgação/Chico Cerchiaro
O escritor Raphael Montes Foto: Divulgação/Chico Cerchiaro

“Uma mulher no escuro” Autor: Raphael Montes Editora: Companhia das Letras Páginas: 256 Preço: R$ 49,90 Cotação: Bom

Capa de "Uma mulher no escuro", de Raphael Montes Foto: Divulgação
Capa de "Uma mulher no escuro", de Raphael Montes Foto: Divulgação

O carioca Raphael Montes não tem nem 29 anos e já virou referência para a literatura de suspense feita no Brasil. No país do Rubem Fonseca e do Luiz Alfredo Garcia-Roza , é uma responsabilidade que ele está sustentando, com sucesso de vendas. Seus cinco primeiros livros tiveram os direitos vendidos para o cinema e mereceram tradução para 22 países. Lançado este mês, “Uma mulher no escuro” reafirma sua competência. Leva jeito.

O sexto título do escritor (e advogado) começa batendo forte: na noite de seu aniversário de 4 anos, a pequena Victoria Bravo testemunha seus pais e irmão sendo assassinados dentro de casa. São páginas tensas, com direito a muito sangue e covardia. Mas a garota escapa, sabe-se lá como. Logo se descobre que o assassino é um adolescente conhecido da família. Ele é apreendido, julgado, passa uma etapa num manicômio e depois some no mundo.

As cenas de violência física param por aí e só retornam mais no finzinho. “Uma mulher no escuro” não esbanja tripas como o bem sacado “Jantar secreto” (2016) , nem é tão macabro quanto “O vilarejo” (2015) . O suspense, agora, é costurado com ameaças e medos, memória e presente: duas décadas depois da carnificina, o terror volta a rondar Victoria. Sem dar as caras, o assassino mostra estar próximo da jovem. Boa coisa ele não quer.

Trabalhada no trauma

Dividida entre o emprego como garçonete no Centro e o apartamentinho na Lapa, Victoria vê sua vida se esfarelar. Resta-lhe confiar nos amigos. O problema é este: ela não os tem. Pequena, frágil, envergonhada por usar uma prótese no lugar da perna amputada após o massacre, é uma pessoa trabalhada no trauma. Aos 24 anos, Victoria é avessa a relacionamentos, o que dá para entender perfeitamente.

Assim, restam-lhe uma tia velha, um colega esquisitão com quem mal conversa, um psicanalista dedicado, um namorado recém-conhecido. E só. É nessas poucas pessoas que Victoria tem que confiar para dar um fim ao perigo cada vez mais próximo. Para piorar, ela prefere manter a polícia distante, pelo menos durante um tempo, e esconde documentos importantes para a investigação. Quer resolver tudo sozinha, protegida apenas com seu canivetinho.

Conseguirá? Eis a questão. Paremos aqui, para não cometer o pecado do spoiler, ou seja, dedurar a trama e estragar a graça da leitura.

Montes se arrisca ao trabalhar com tão poucos personagens. Também parece diminuir a inteligência (ou o senso de autodefesa) de Victoria. Em meio a tantas ameaças, é difícil conceber, por exemplo, que ela não use mais a internet em busca de informações para facilitar sua vida. A ação se passa em 2018, afinal. Haveria um ou outro pequeno vacilo a comentar, mas livros de suspense têm dessas coisas. Há que se respeitar a linha me-engana-que-eu-gosto. O recurso é legítimo.

Certo é que Raphael Montes vive de riscos e se defende muito bem. Rapidamente torna o leitor um cúmplice, o que é fundamental. Ele sabe trabalhar com idas e vindas no tempo, embaralha bem as cartas, cria ganchos e diálogos certeiros, enche linguiça sem exagerar.

Prova de seus méritos está no crescente número de leitores. Estes vão ler “A mulher...” da primeira à última linha com a respiração em suspenso. Alguns vão matar aula para terminar o livro. E todos vão torcer pela mocinha. As raras exceções certamente sofrem de desvio comportamental grave. E isso acontece com frequência cada vez maior — o que só serve para aproximar a personagem do nosso dia a dia. Ou você confia em qualquer pessoa ao seu redor?

Nelson Vasconcelos é jornalista