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Em seu primeiro romance, Ayobami Adebayo esmiúça a sociedade nigeriana

Em livro que chega agora ao Brasil, escritora parte da história de uma relação disfuncional
A escritora nigeriana Ayobami Adebayo Foto: Divulgação
A escritora nigeriana Ayobami Adebayo Foto: Divulgação

RIO - Quando estava na universidade, a escritora nigeriana Ayobami Adebayo,de 30 anos, perdeu dois amigos por anemia falciforme. Emocionada pela maneira como as mães de seus colegas haviam se transformado com o luto, ela começou a escrever um conto sobre um casamento que desmoronava quando o filho do casal ficava doente. Assim nasceu “Fique comigo”, seu romance de estreia, recém-lançado pela Harper Collins Brasil, que conta a triste trajetória de Yejide e Akin, retratando os últimos 30 anos da Nigéria no processo, entre traições, segredos e até humor.

O que te levou a escrever a história de Yejide e Akin?

Foi algo muito impactante ( a morte de seus amigos ). Então, comecei a escrever o conto, mas acabei ficando frustrada com a história. Certa noite, fui caminhar para descobrir o que estava errado. Parei em frente ao Oduduwa Hall, onde Akin e Yejide se conhecem no livro, quando cerca de 50% da trama surgiu. Iniciei a escrita de “Fique comigo” apenas dois anos mais tarde. A Yejide não é baseada em ninguém real, apesar de muitas mulheres e até alguns homens terem me inspirado a criá-la.

A sociedade nigeriana apresentada no livro é patriarcal e bastante desigual na relação entre homens e mulheres. Algo mudou desde os anos 1980, quando se situa o início da narrativa?

Algumas coisas mudaram, sim. As mulheres são agora mais visíveis nos espaços públicos, e ideias misóginas estão sendo enfrentadas com uma intensidade coletiva que provavelmente não existia naquela época. Acredito que as redes sociais desempenharam um grande papel nessa mudança. No entanto, ainda há muito o que melhorar. Acho que aquela década foi um período transformador da história nigeriana. Foi interessante colocar o romance contra aquele cenário e ter um diálogo entre as narrativas nacional e pessoal.

“Rir é uma ferramenta tão importante que nós a utilizamos para sobreviver, mesmo nos períodos mais obscuros de nossas vidas.”

Ayobami Adebayo
Escritora

Apesar de sua densidade, o romance tem momentos agridoces e até hilários , principalmente nas observações sobre a vida doméstica…

Rir é uma ferramenta tão importante que nós a utilizamos para sobreviver, mesmo nos períodos mais obscuros de nossas vidas. Eu sabia que estava trabalhando num material bastante pesado e triste, mas eu precisava me perguntar onde esses personagens buscavam algum divertimento. Ao descobrir isso, aprendi mais sobre a Yejide e o Akin. Um ótimo subproduto disso é que o romance tem seus momentos cômicos.

Essa comicidade surge em meio à opressão esmagadora da relação entre os personagens. Qual é sua opinião sobre o casamento tradicional?

Para mim, tradicional ou não, o casamento deve ser sempre igualitário. Qualquer arranjo que é intrinsecamente injusto para uma das partes é inaceitável. As coisas têm melhorado para as mulheres na Nigéria, mas eu desejava que os avanços fossem mais rápidos.

Você foi criada em inglês e iorubá. Como esses idiomas moldaram seu estilo de escrita?

O iorubá é uma língua muito rica, um idioma tonal que se encaixa lindamente em música e poesia. Crescer com o iorubá definitivamente me influenciou como escritora e guiou a maneira como eu usaria o inglês mais tarde.

“Crescer com o iorubá definitivamente me influenciou como escritora e guiou a maneira como eu usaria o inglês mais tarde.”

Ayobami Adebayo
Escritora

Você estudou com nomes como Chimamanda Ngozi Adichie e Margaret Atwood. Qual foi a importância delas na sua formação?

São duas mulheres extremamente brilhantes que foram muito generosas comigo. Foi um grande privilégio ter tido aulas com elas, que me inspiraram a trabalhar mais na minha escrita. Vê-las de perto reforçou minha decisão de viver de uma maneira que seja verdadeira para mim, mesmo que minhas verdades não estejam de acordo com as expectativas que a sociedade tem de mim como mulher.

Você acredita que é mais fácil para um homem estrear como escritor do que uma mulher?

Eu realmente fico interessada na maneira como os livros são recebidos de acordo com o gênero do escritor. Eu tenho diploma de bacharelado e mestrado em Literatura, e havia aulas na universidade em que nenhum trabalho escrito por uma mulher era recomendado no currículo. Naquela época, eu imaginava que isso ocorria porque esses livros não existiam, mas depois eu percebi que eles eram ignorados mesmo quando se tratavam de trabalhos literários brilhantes. Essa questão foi respondida em 2015 pela Catherine Nichols, que enviou o mesmo romance utilizando um pseudônimo masculino e teve uma recepção de agentes literários que ela nunca recebeu quando enviava provas usando seu nome real.