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Encontro de poetas, sem negros convidados, é cancelado após revolta nas redes sociais

Curadores de oficina na IMS-RJ chamaram 18 autores, todos brancos
"Oficina Irritada (poetas falam)" iria reunir "importantes nomes da poesia contemporânea brasileira", nas palavras da organização do evento Foto: Reprodução / Internet
"Oficina Irritada (poetas falam)" iria reunir "importantes nomes da poesia contemporânea brasileira", nas palavras da organização do evento Foto: Reprodução / Internet

RIO — Após receber críticas nas redes sociais, o evento "Oficina Irritada (poetas falam)", que seria realizado no Instituto Moreira Salles (IMS) do Rio, foi cancelado. O motivo da revolta foi pelo fato de não haver nenhum negro entre os 18 autores que haviam sido convocados para a oficina.

Em publicação nas redes sociais, o IMS-Rio afirma que  "tem um compromisso inequívoco com a diversidade, da constituição de seu acervo às atividades que promove", e conclui: "Ainda que a veemência das redes nem sempre favoreça conversas produtivas, reconhecemos a importância desta discussão, razão pela qual decidimos cancelar a realização do evento".

Curador da oficina, ao lado de Bruno Cosentino, Eucanaã Ferraz concorda que o momento é de “ouvir e pensar nisso tudo”, mas o poeta, que não tem redes sociais, lamenta o tom do debate.

— Fizeram acusações injustas contra a instituição, os curadores e os poetas convidados. Eles não merecem os ataques que sofreram— diz.

IMS Rio se manifestou pelas redes sociais Foto: Reprodução
IMS Rio se manifestou pelas redes sociais Foto: Reprodução

Entenda o caso

A "Oficina Irritada (poetas falam)" , que estava marcada para os dias 7, 8 e 9 de maio, no IMS do Rio, causou revolta nas redes sociais. Autores do Brasil inteiro e a cena literária de forma geral usaram suas redes sociais para criticar a curadoria, com discussões intensas. Tudo porque, apesar de ter selecionado "diferentes gerações" e "percursos diversos" (ainda segundo a organização), os curadores não incluíram nenhum poeta negro no grupo.

"Os espaços privilegiados seguem cometendo erros em não abrir esse cânone engessado", postou o escritor Jeferson Tenório em sua página no Facebook . "'Ah...mas eles foram escolhidos pela qualidade, nada ver isso de serem brancos.' Ahãm, sei. Querem contestar a qualidade de poetas como Ricardo Aleixo, Conceição Evaristo, Cristiane Sobral, Jarid Arraes, Eliane Marques, Ronald Augusto? Isso só para citar alguns poetas negros contemporâneos porque o Brasil é grande e talvez o IMS ainda não saiba disso."

No mural da página da "Oficina Irritada" no Facebook , diversos usuários deixaram comentários criticando o evento, como "os poetas brancos falam, os poetas negros seguem silenciados"; "eles se reúnem e tentam tornar invisível a arte do poeta de várias cores"; e "o silêncio de vocês é constrangedor".

Eucanaã observa que foi feito convite a um poeta negro que não pode participar.

— Não o substituímos por outro negro, porque não considerei que ele estivesse ali ocupando uma cota — diz o poeta e ensaísta, que é professor de literatura da UFRJ. — Sou absolutamente favorável às cotas para negros, índios, para dar voz àqueles que foram historicamente injustiçados. Só não acho que deva ser um critério de seleção para eventos como esse, que seria mínimo e aconteceria numa sala de aula, para um público de 20 pessoas.

A lista dos 18 autores era formada por Francisco Alvim, Paulo Henriques Britto, Angélica Freitas, Laura Liuzzi, Bruna Beber, Fabrício Corsaletti, Antonio Cicero, Yasmin Nigri, Leonardo Gandolfi, Nicolas Behr, Alberto Martins, Rafael Zacca Ana Martins Marques, Alice Sant’anna, Sylvio Fraga Neto, Marília Garcia, André Vallias e Marcos Siscar.

No último sábado, 20, a poeta Angélica Freitas, uma das convidadas, havia se manifestado, dizendo que estava repensando sua participação no evento.

"Artistas precisam começar a questionar as curadorias e sua representatividade", escreveu Angélica. ''Eu vou fazer isso a partir de agora. Se você não usa o poder que tem - mesmo que seja pouco - esse poder vai ser usado contra você, invariavelmente, e isso eu aprendi com Audre Lorde. A ausência de vozes negras e indígenas em nossas programações culturais já é esse poder sendo usado contra nós todxs como país".

Procurado pelo GLOBO, o curador Eucanaã Ferraz respondeu por escrito, em uma carta compartilhada pela asssessoria do IMS, que ele e Cosentino haviam sido pegos "de surpresa" pela discussão em torno dos convidados da oficina:

"Talvez a pressa de quem viu o anúncio da programação tenha levado a uma desconsideração das reais dimensões do evento. Não seria possível agregarmos, em três dias, mais do que os dezoito poetas convidados. Será, portanto, um pequeno encontro, ainda que, para uma instituição como o Instituto Moreira Salles, na sua sede carioca, seja maior que os cursos e seminários que costuma promover".

Eucanãa disse ainda que, devido às suas "dimensões" e "características", o evento não poderia responder a "demandas sociais".

"Consideramos que a cobrança por representatividade e visibilidade de segmentos importantes da sociedade brasileira deva se dar em torno de direitos – de indivíduos e/ou de grupos discriminados, alijados, silenciados, invisíveis", disse ele . "Daí, a justa e imprescindível exigência de efetiva cidadania em instâncias públicas ou de grande alcance público. Entretanto, num reduzido encontro de poetas, a questão do direito não se coloca."

O curador lembra que o poeta Ricardo Aleixo chegou a ser convidado em meados de janeiro, mas não pode participar por conflitos na agenda. Fato confirmado por Aleixo em sua página no Facebook.