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'Era uma vez em Hollywood': primeiro romance de Quentin Tarantino desvenda suspense do filme

Vencedor de dois Oscars de melhor roteiro, o diretor parte de seu filme mais recente em livro que aprofunda os personagens de Brad Pitt e DiCaprio
Livro de Tarantino ameniza o final ruim de 'Era uma Vez em... Hollywood' Foto: Divulgação
Livro de Tarantino ameniza o final ruim de 'Era uma Vez em... Hollywood' Foto: Divulgação

O primeiro romance de Quentin Tarantino, para usar uma frase tomada emprestada de sua obra, é um drinque saboroso. Trata-se de uma versão de “Era uma vez... em Hollywood” (o título do livro abandona essas reticências) lançada internacionalmente na terça-feira ( inclusive no Brasil, pela Intrínseca).

Fica claro desde o início que o escritor de 58 anos não quer nos impressionar com a complexidade de suas frases ou a nuance de suas sacadas psicológicas. O romance é bastante solto. Se fosse mais bem escrito, seria pior. Ele está aqui para contar uma história, no estilo pegar ou largar, e ao longo do caminho abordar alguns dos temas que mais lhe interessam — filmes antigos, camaradagem masculina, vingança e redenção, música e estilo. Tarantino entende bem: a cultura pop é a mitologia da América.

A trama segue os mesmos trilhos do filme, ao ponto de alguns diálogos serem idênticos, palavra por palavra. Mas se afasta em pequenas e grandes mudanças. O final do longa, por exemplo, com o velho Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) incendiando um membro da família Manson com um lança-chamas, é tratado no início do romance, em apenas algumas frases.

Capa do livro 'Era uma vez em Hollywood' Foto: Divulgação
Capa do livro 'Era uma vez em Hollywood' Foto: Divulgação

As mortes tornam Dalton (que descobrimos ser bipolar) famoso — ele se torna “um herói folclórico da ‘maioria silenciosa’ de Nixon” e um convidado regular no “Tonight Show com Johnny Carson”. No entanto, não consegue esquecer cada passo em falso, cada desprezo sofrido em em sua carreira de ator.

Mas “Era uma vez em Hollywood” é, no fundo, sobre Cliff Booth. O personagem de Brad Pitt no filme é um dublê e faz-tudo de Dalton. No livro, ficamos sabendo muitos detalhes de sua história. Na Segunda Guerra, ele matou mais japoneses do que qualquer outro soldado americano e ganhou a Medalha de Valor duas vezes. E tem vários conselhos de machão, que oferece casualmente. Se você quer saber como é matar um homem, sem realmente matar um homem, diz a Dalton, pegue um porco por trás e enfie uma faca em sua garganta. Em seguida, segure firme até que ele morra. É o mais próximo que você pode chegar sem infringir nenhuma lei.

Ainda assim, Booth tem um lado sensível. Ele é um obcecado por filmes — e tem opiniões muito parecidas com as de Tarantino. O livro traz ótimos textos sobre atuação, produções estrangeiras, filmes B, sobre primeiras cenas de sexo no cinema e diretores de ação na TV.

Booth é fã do ator Alan Ladd, por exemplo, porque: “Quando Ladd ficava bravo em um filme, ele não agia como louco. Ele ficava aborrecido, como uma pessoa de verdade. Para Cliff, Alan Ladd era o único cara no cinema que sabia pentear o cabelo, usar chapéu ou fumar um cigarro”. Entre as opiniões que soam parecidas com as de Tarantino, há uma lista dos filmes de Akira Kurosawa de que Booth mais gosta.

O leitor também fica sabendo como Dalton e Booth se tornaram amigos. Booth o salvou de um incêndio, dizendo-lhe: “Rick, você está em uma poça d’água. Apenas caia.” Descobrimos como Booth conseguiu seu pitbull, uma estrela do filme.

No longa, se recusa a deixar o cachorro comer enquanto ele não der a primeira mordida em seu próprio jantar: macarrão com queijo. Sobre esse prato, Tarantino escreve: “As instruções dizem para adicionar leite e manteiga, mas Cliff acredita que, se você pode comprar leite e manteiga, deveria comer outra coisa”.

Ah, e Booth matou sua mulher. No filme, esse ponto da trama é deixado em suspenso e gerou muito debate entre os fãs. Tarantino, felizmente, não se importa se você acha o personagem adorável.

A cena do crime é absurda em seus excessos, é claro. Tarantino raramente desperdiça uma matança. O casal está em um barco. Cansado de ser menosprezado, Booth impulsivamente dá um tiro nela, rasgando-a ao meio. Ele se arrepende imediatamente. Então dá um jeito de manter as duas partes dela juntas por sete horas enquanto eles recontam amorosamente todo o relacionamento. Quando a Guarda Costeira chega e tenta movê-la, ela se desfaz e morre.

Em “Era uma vez em Hollywood”, Quentin Tarantino faz parecer fácil contar uma história que te leva a virar uma página depois da outra, o que vem a ser o truque mais difícil de todos.

“Era uma vez em Hollywood”

Autor : Quentin Tarantino. Tradutor : André Czarnobai. Editora : Intrínseca. Páginas : 560. Preço : R$ 49,90