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Escritora portuguesa Lídia Jorge lança romance e livro de contos no Fórum das Letras de Ouro Preto

Com mais de 20 livros publicados desde 1980, autora diz ver a literatura como forma de ‘ampliar meu mundo’

A escritora portuguesa Lídia Jorge
Foto: Divulgação
A escritora portuguesa Lídia Jorge Foto: Divulgação

RIO - Com quase 20 livros publicados desde 1980, a portuguesa Lídia Jorge calcula ter criado cerca de 70 personagens até hoje. Multiplicidade impulsionada por uma visão da literatura como forma de “ampliar meu mundo”, ela diz em entrevista por telefone, de Lisboa, às vésperas de sua participação no Fórum das Letras de Ouro Preto, que começa quarta-feira.

Na sexta-feira, às 16h, Lídia falará sobre esse processo criativo na mesa “O narrador como personagem”, com o crítico José Castello, colunista do “Prosa”, e o escritor suíço Patrick Straumman, mediados por Leonardo Tonus. Lançará também edições brasileiras de dois livros: “Antologia de contos” e o romance “Combateremos a sombra”, ambos pela Leya.

— Para o escritor a personagem é uma forma de ser vários, de ter muitas vozes, e com isso poder fazer as perguntas essenciais. Prefiro nunca colocar-me como primeira pessoa, porque o jogo da distância é criativo. Delegar minha voz a outra voz amplia-me. Estou sempre lá, claro, mas o que pretendo ao escrever é ampliar meu mundo, buscar alteridades — diz a escritora, de 68 anos.

Exemplo dessa busca é o protagonista de “Combateremos a sombra”, o psicanalista Osvaldo Campos. Às voltas com uma separação dolorosa e com a escrita de um ensaio intitulado “Quanto pesa uma alma?”, ele reúne fragmentos de sonhos e revelações de clientes numa trama que sugere uma conspiração nos altos escalões de Portugal. Para surpresa de Lídia, o romance acabou premiado pela Associação Francesa de Psiquiatria.

— Disseram que o livro tem “verdade científica” ( risos ). Criei Osvaldo para falar não de psicanálise, mas de alguém que transporta um segredo. A figura do psicanalista é muito presente na literatura dos séculos XX e XXI, como invenção do mundo mercantilista para proteger o segredo em troca de dinheiro. Osvaldo quer quebrar esse elo. Penso nele como o homem ético que o mundo abafa por querer alterar destinos coletivos.

DRAMAS PESSOAIS E DESTINOS COLETIVOS

A relação entre dramas pessoais e destinos coletivos é uma constante na obra de Lídia. Um de seus romances mais conhecidos, “A costa dos murmúrios” (1988), é ambientado nas colônias portuguesas na África durante as guerras de independência, nos anos 1960 e 70, quando a autora viveu em Angola e Moçambique. Seu livro de estreia, “O dia dos prodígios” (1980), refletia sobre o legado da Revolução dos Cravos, tema que retoma no romance “Os memoráveis”, lançado este ano, quando se completaram quatro décadas da queda do regime salazarista.

— O tema da inauguração de um novo tempo é muito importante para mim. Regressei a ele porque há fatores sociais muito fortes que voltam a abalar o sentido da História de meu país, sobretudo a perda de soberania que estamos a sofrer — diz Lídia, que escreveu “Os memoráveis” para “celebrar uma revolução extraordinária", mas também “com um sentimento melancólico, diria mesmo elegíaco, que acompanha o enfraquecimento de nosso destino democrático”.

Nas narrativas curtas, como as reunidas em “Antologia de contos”, Lídia exercita outro tipo de elaboração, sem perder de vista a conexão entre individual e coletivo. Cita como exemplo disso a inspiração para o conto de abertura do livro, “Marido”. Quando era criança, ela costumava ouvir a oração que uma vizinha fazia antes de o marido chegar em casa, por medo de apanhar dele. Vinte e cinco anos depois, viveu a mesma situação com outra vizinha.

— Foi doloroso perceber que tanto tempo havia passado, o mundo havia se modificado tanto, mas essas duas mulheres estavam essencialmente juntas — observa Lídia, que diz fazer contos “um pouco como os poetas fazem poemas”. — Há uma demanda pontual, um episódio provocador para o qual não encontro resposta de imediato e que preciso resolver. Cada conto é a resolução de um enigma.