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Estudo mostra por que é cada vez mais difícil viver como escritor em tempo integral

Pesquisa de associação americana registra queda de 42% na renda de autores em menos de 10 anos
Segundo a associação dos escritores, a Amazon tem ligação direta na queda da receita dos autores Foto: SPENCER PLATT / AFP
Segundo a associação dos escritores, a Amazon tem ligação direta na queda da receita dos autores Foto: SPENCER PLATT / AFP

NOVA YORK — Ser escritor nunca foi uma carreira exatamente lucrativa, mas um estudo recente da Associação de Escritores, organização profissional de autores de livros, mostra que a atividade pode nem sequer gerar renda suficiente para sobrevivência.

Segundo a pesquisa, que considerou 5 mil autores de diferentes gêneros, englobando escritores tradicionais e de autopublicação, o salário médio de escritores em tempo integral foi de US$ 20,3 mil dólares anuais (cerca de R$ 75 mil na cotação atual) em 2017, e, quando escritores de meio expediente eram considerados, de US$ 6,08 mil — uma queda de 42% em relação aos US$ 10,5 mil em 2009.

— No século XX, um bom escritor literário poderia ganhar, só com suas publicações, o suficiente para figurar na classe média — afirma Mary Rasenberger, diretora da Associação de Escritores, citando nomes como William Faulkner, Ernest Hemingway e John Cheever. Agora, a maioria dos autores precisa complementar a renda com palestras ou aulas. Além disso, o dinheiro estritamente relacionado a vendas de livros, como royalties e adiantamentos de editoras, também tiveram um decréscimo de 30% para autores em tempo integral desde 2009.

Segundo Rasenberger, a queda nos rendimentos está diretamente ligada também à participação da Amazon no mercado de autopublicação, e-book e revenda. O conglomerado, diz a diretora da associação, cobra comissões e taxas de marketing das editoras para evitar que os livros fiquem “escondidos” no site. Editoras pequenas e independentes, que têm menos recursos e poder de barganha, foram particularmente atingidos. Já as grandes casas editoriais estão repassando esses gastos para os autores, enxugando comissões e adiantamentos. Além disso, os autores também perdem renda com livros revendidos pela plataforma.

De certa forma, essas mudanças caminham com uma mudança geral na economia, em que pessoas têm múltiplos empregos para compensar a falta de uma renda estável. Mas a indústria literária como um todo sempre escapou da padronização de salários. Em conversa com Manjula Martin para o livro “Scratch: Writers, money, and the art of making a living”, a romancista Cheryl Strayed disse: “Não existe outro trabalho no mundo em que você faz um mestrado e pode afirmar ‘posso ganhar zero ou posso fazer US$ 5 milhões!’”

Recentemente, Manjula Martin disse que “as pessoas que consegue viver como autores são aquelas que têm outras fontes de renda”, acrescentando ainda que isso cria barreiras de entrada na indústria e limita os tipos de histórias que chegam ao grande público. Existe ainda, afirmou ela, uma desvalorização da escrita, que é frequentemente vista como um hobby, e não como uma valiosa vocação.

— Todos acham que podem escrever só porque todo mundo escreve — diz Rasenberger ao se referir à ploriferação de mensagens de texto casuais, e-mails e tuítes. Mas ela os distingue de escritores profissionais "que trabalham em seu ofício e na arte de escrever há anos".

— O que um autor profissional pode transmitir com palavras escritas é muito superior ao que o resto de nós pode fazer —, diz Rasenberger. — Como sociedade, nós precisamos disso, porque é uma maneira de cristalizar ideias, nos fazer ver coisas de um jeito diferente e criar entendimentos sobre o que somos enquanto pessoas, onde estamos hoje e para onde vamos.