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Finalista do Man Booker Prize, livro de Chigozie Obioma chega ao Brasil

Em ‘Os pescadores’, escritor nigeriano mescla elementos africanos e ocidentais

O nigeriano Chigozie Obioma
Foto: Divulgação/Zach Mueller
O nigeriano Chigozie Obioma Foto: Divulgação/Zach Mueller

RIO - Ao se tornar finalista do prestigiado Man Booker Prize de 2015 logo com seu primeiro romance, “Os pescadores”, o nigeriano Chigozie Obioma, de 29 anos, juntou-se a uma nova geração de escritores africanos que ganha destaque no cenário internacional. Alguns já são conhecidos no Brasil, como Teju Cole e Chimamanda Ngozi Adichie, também da Nigéria. Outros continuam inéditos no país, apesar de colecionarem prêmios no exterior, como Dinaw Mengestu, da Etiópia, e NoViolet Bulawayo, do Zimbábue.

O livro com que Obioma se firmou nesse grupo chega às livrarias brasileiras neste mês, pela Globo Livros, depois de ter os direitos de tradução negociados para 22 idiomas. “Os pescadores” acompanha uma década na vida da família Agwu, na cidade nigeriana de Akure. A rotina harmoniosa dos quatro filhos de James Agwu começam a se esfacelar quando, durante uma pescaria em um rio com fama de amaldiçoado, um profeta local prevê que o primogênito será assassinado por um de seus irmãos.

A trama é influenciada pelas leituras variadas de Obioma. Desde jovem, ele gostava de ler os clássicos ocidentais, como Shakespeare e as tragédias gregas, e os autores nigerianos que fundaram a literatura moderna do país, como Chinua Achebe e Amos Tutuola. Em “Os pescadores”, essas referências se misturam às histórias tradicionais que ouvia durante a infância na casa de sua família, de origem ibo.

— Tanto as tragédias gregas quanto as histórias ibo falam sobre a Humanidade lutando contra forças superiores — diz Obioma, que atribui o interesse do público de vários países pelo romance a essa mescla de elementos locais e ocidentais. — Muitos escritores africanos hoje têm consciência do público internacional, mas às vezes se sentem pressionados a falar só da realidade africana. Com isso, correm o risco de se tonar provincianos. O que quero é escrever boas histórias universais, que possam ser lidas em Lagos, Roma ou São Paulo.

LIVRO FOI ESCRITO EM TRÊS CONTINENTES

Enquanto escrevia “Os pescadores”, Obioma viveu em três continentes. Mudou-se da Nigéria para o Chipre, onde estudou por dois anos, e depois para os Estados Unidos, onde hoje é professor de Literatura na Universidade de Nebraska–Lincoln. A experiência multicultural teve um papel importante para sua escrita:

— O romance nasceu um pouco da saudade que eu sentia da Nigéria quando estava no Chipre. Mas também passei a acreditar que só é possível escrever ficção sobre um lugar quando se está longe dele — diz Obioma.

A visão do escritor sobre seu país natal está representada em um dos personagens centrais do romance, o vidente maltrapilho Abulu. “Os pescadores” se passa na década de 1990, quando a Nigéria viveu um golpe militar que anulou as primeiras eleições do país em três décadas. A profecia de Abulu sobre a desgraça da família Agwu coincide com a derrocada do país, que levou dez anos para retornar à democracia.

— Este é um romance sobre uma família, mas tem outras camadas. Abulu, por exemplo, parece só um louco, mas é um sintoma da sociedade nigeriana. É também uma figura mítica, o intruso que dissolve a unidade de um ambiente.

Leia trecho de 'Os pescadores'

"O Omi-Ala era um rio terrível. Havia muito tempo era desprezado pelos habitantes da cidade de Akure, como uma mãe abandonada pelos próprios filhos. Ele já havia sido um rio cristalino, que propiciava peixes e água potável aos primeiros assentadores. Passava ao redor de Akure e serpenteava por dentro e pelas bordas da cidade. Como muitos rios semelhantes na África, o Omi-Ala já foi visto como uma divindade: as pessoas o veneravam. Erguiam templos em seu nome, procuravam a mediação e os conselhos de entidades como Iyemoja e Osha, de sereias e outros espíritos e deuses que habitavam os corpos aquáticos. Isso mudou quando os colonizadores chegaram da Europa e introduziram a Bíblia, diferenciando os adeptos do Omi-Ala dos outros, fazendo com quem as pessoas, agora de maioria cristã, começassem a ver nele um local amaldiçoado. Um berço emporcalhado.

O rio tornou-se uma fonte de rumores sombrios. Um deles dizia que as pessoas faziam todos os tipos de rituais em suas margens. Isso era confirmado pela quantidade de carcaças de animais e outros materiais ritualísticos que boiavam na superfície do rio ou eram jogados em suas margens. Então, no início de 1995, o corpo mutilado de uma mulher foi encontrado naquelas água, com as partes vitais desmembradas. Quando seus restos mortais foram descobertos, o conselho da cidade fez uma vigília no rio do amanhecer ao crepúsculo, e depois disso o rio foi abandonado".

“Os pescadores”

Autor: Chigozie Obioma.

Editora: Globo Livros.

Tradução: Claudio Carina.

Páginas: 270.

Preço: R$ 39,90.