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Flip 2019: 'Os sertões' deve ser lido todos os dias para se entender o Brasil, diz pesquisadora

Especialista no autor, Walnice Nogueira Galvão comentou relação dele com o país ontem e hoje
Abertura da Festa Literária de Paraty. Na foto, masterclass sobre o escritor Euclides da Cunha com Walnice Nogueira Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Abertura da Festa Literária de Paraty. Na foto, masterclass sobre o escritor Euclides da Cunha com Walnice Nogueira Foto: Leo Martins / Agência O Globo

PARATY — Na “Sessão de Abertura” da 17ª Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, na noite desta quarta-feira, a crítica literária Walnice Nogueira Galvão juntou seus estudos da obra de Euclides da Cunha, o autor homenageado, à sua trajetória pessoal e a história política do país. Walnice terminou dizendo que “Os sertões” deve ser lido todos os dias para se entender “o que a modernização capitalista faz com os pobres desse país”. Após a palestra, um telão projetou um vídeo com imagens de mortes ba periferia, ataques a povos indígenas e desastres como os de Mariana e do incêndio do Museu Nacional, criando ainda mais conexões entre a obra de Euclides e o Brasil de hoje.

O convite à leitura política de Euclides começou antes mesmo da fala de Walnice. A curadora da Flip, Fernanda Diamant, afirmou que “a abordagem contemporânea da obra de Euclides guiou a concepção da programação”, dando o tom político que deve tomar a Flip nos próximos dias. Ela dedicou a “Sessão de Abertura” a seu companheiro, o jornalista Otavio Frias Filho, morto no ano passado, e ao João Gilberto “e ao Brasil que ele cantou”.

Walnice, que é professora da Universidade de São Paulo, contou que muito de sua pesquisa sobre Euclides aconteceu em Paraty, onde ela tinha uma casa de veraneio e vinha passar férias com seu filho pequeno. Num verão especialmente chuvoso, ela teve que ir a São Paulo e temeu que goteiras estragassem as milhares de folhas de pesquisa espalhadas pela casa. Pediu ajuda a um amigo paratiense que colocou tudo em caixas e, depois, embaixo da própria cama.

– Ele protegeu meu trabalho com seu próprio corpo – disse.

Walnice começou a estudar Euclides depois de terminar sua tese de doutorado sobre Guimarães Rosa, pois encontrou semelhanças entre os dois autores: ambos se interessaram pelas “entranhas do país”, o sertão, e “os homens que ali viviam, jagunços e cangaceiros”, são elaboradores da linguagem e têm “pendor para o arcaísmo, embora de modos diferentes”.

Um produto de seu tempo

Nos 1970, em plena ditadura militar, impedida de censura de se manifestar politicamente, procurou um objeto de estudo que lhe permitisse expor como funcionavam o exército e a imprensa. Estudou a cobertura jornalística da Guerra de Canudos e se espantou com a quantidade de “fake news” que os jornais da época, censurados pelo exército, publicavam. O próprio Euclides acreditou que havia navios estrangeiros na costa baiana para auxiliar os monarquistas canudenses e que os sertanejos foram treinados por gringos.

– Não foi Donald Trump que criou as fake news. Talvez nós tenhamos esse privilégio – disse Walnice, arrancando risos da plateia. – A cobertura de Canudos foi uma das maiores fraudes da história do Brasil e todo mundo.

Em suas pesquisas, Walnice também concluiu que Euclides, que foi para Canudos cheio de preconceitos, era um produto de seu tempo. Ou melhor: da Escola Militar da Praia Vermelha, onde eram ensinados os ideias da Revolução Francesa, como a República. Por isso, ele confiava tanto no exército e tinha horror à restauração da monarquia. Euclides, depois de chegar ao sertão, não sabia mais para quem torcer, se para o exército ou para os sertanejos. Lá, ele descobriu que o Brasil autêntico não era o Rio de Janeiro de “brancos republicanos bem alimentados”, mas o sertão de “monarquistas católicos atrasados”

– Euclides se dá conta de que o exército era culpado do massacre dos canudenses. Mas, ao mesmo tempo, acreditava na missão civilizatória do exército.

A programação completa

Quarta, 10 de julho

19h - 20h: Mesa 1 I Sessão de Abertura - Canudos
Walnice Nogueira Galvão

Na “Sessão de Abertura” da 17ª Festa Literária Internacional de Paraty , a crítica literária Walnice Nogueira Galvão junta seus estudos da obra de Euclides da Cunha, o autor homenageado, à sua trajetória pessoal e a história política do país.

Quinta, 11 de julho

10h30m - 11h15m | Mesa 2 | Bendegó
Aparecida Vilaça

A antropóloga, autora de 'Paletó e eu' , fala sobre seus anos de convivência com Wari’, e o que aprendeu sobre as práticas cotidianas e rituais desse indígenas.

12h - 13h15m | Mesa 3 | Uauá
Adriana Calcanhotto
Guilherme Wisnik
Nuno Grande

Nesta conversa, Adriana Calcanhotto, Guilherme Wisnik e Nuno Grande cruzam arquitetura, urbanismo, literatura e música. Os três artistas — envolvidos na exposição "Infinito vão: 90 anos de arquitetura brasileira" (Casa de Arquitetura, Porto, Portugal, 2018/2019) – se reencontram e recriam as experiências vivenciadas por lá.

15h30m - 16h15m | Mesa 4 | Sincorá
José Miguel Wisnik

O ensaísta e crítico literário José Miguel Wisnik parte da atividade mineradora para interpretar a obra do poeta Carlos Drummond de Andrade — tema de seu livro mais recente, "Maquinação do mundo" . O assunto ganha ainda mais atualidade com os recentes desastres das cidades mineiras de Mariana e Brumadinho.

17h - 18h15m | Mesa 5 | Bom Conselho
Kristen Roupenian
Sheila Heti

O encontro entre a canadense Sheila Heti e a americana Kristen Roupenian questiona a maneira como as mulheres têm sido representadas na escrita. Heti conversa com o público sobre seu último livro, "Maternidade" e sobre a escolha de não ser mãe ; enquanto Roupenian passeia por "Cat person " .

19h - 19h45m | Mesa 6 | Serra Grande
Maureen Bisilliat

A fotógrafa inglesa naturalizada brasileira se debruçou sobre a imagética do sertão e dos povos do Xingu . Na mesa ela relata como se dá a união que forjou sua obra e vida: o encontro entre imagem, palavra e geografia. A mesa conta ainda com projeções do trabalho da artista.

20h30m - 21h45m | Mesa 7 | Quirinquinquá
Gaël Faye
Kalaf Epalanga

Entre música e literatura, entre dois continentes, Gaël Faye e Kalaf Epalanga transitam por universos diversos. Os romances de estreia desses autores têm inspiração autobiográfica e tocam em questões complexas como a guerra, a imigração africana para a Europa.

22h - 0h10m |  Auditório da Praça | Golpe de vista

Haverá exibição do filme "Deus e o diabo na terra do sol" (1964), de Glauber Rocha, em homenagem ao cineasta que completaria 80 anos em 2019. Haverá ainda uma apresentação performática da cantora, compositora e cineasta Ava Rocha, filha do diretor baiano.

Sexta, 12 de julho

10h - 11h15m | Mesa 8 - Mesa Zé Kleber | Cumbe
Marcela Cananéa
Marcelo D’Salete

O premiado quadrinista paulistano, autor de obras sobre história e cultura afro-brasileira , se encontra com uma paratiense militante do Fórum de Comunidades Tradicionais, que reúne lideranças de Paraty, Angra e Ubatuba.

12h - 13h15m | Mesa 9 | Angico
Ayelet Gundar-Goshen
Ayobami Adebayo

As romancistas, vindas de dois lugares bastante diferentes – Nigéria (Ayobami Adebayo) e Israel (Ayelet Gundar-Goshen ) –, encontram pontos de convergência ao conversar sobre a definição de família, a posição da mulher nas sociedades mais tradicionais e a criação de laços íntimos em meio a conflitos de ordem pública.

15h30 - 16h15m | Mesa 10 | Tróia de Taipa
José Murilo de Carvalho

O historiador brasileiro completa oitenta anos este ano e, nesta conversa, revela aspectos de sua carreira intelectual , com especial atenção à pesquisa sobre a revolta de Canudos e o exército brasileiro.

17h - 18h15m | Mesa 11 | Jeremoabo
Karina Sainz Borgo
Miguel Del Castillo

A escrita como maneira de trabalhar questões subjetivas — relações familiares, luto e perda — e também a objetividade das realidades sociais é o mote desta mesa. Nesse diálogo, reúnem-se dois estreantes no romance, a venezuelana Karina Sainz Borgo e o brasileiro Miguel Del Castillo, ambos influenciados por panoramas nacionais acirrados.

19h - 19h45m | Mesa 12 | Mata da Corda
Grada Kilomba

A artista descendente de angolanos e são-tomenses, nascida em Portugal, oferece ao público uma reflexão sobre feminismo negro , além da descolonização do pensamento praticada em suas performances, videoinstalações e leituras encenadas.

20h30m - 21h45m | Mesa 13 | Vaza-Barris [O Irapiranga dos Tapuias]
Ailton Krenak
José Celso Martinez Corrêa

O pensador indígena e o diretor de teatro, ator e dramaturgo conversam sobre liberdade, valorização da cultura e convivência com a diversidade.

22h às 0h | Auditório da Praça | Flip Slam

Uma competição de Slam, efervescente movimento de batalhas de poesia falada , com poetas internacionais no Auditório da Praça.

Sábado, 13 de julho

10h30 - 11h15m | Mesa 14| Cansanção
Marilene Felinto

A escritora e crítica brasileira fala de sua produção literária que toca em questões de gênero, raça e condição social no Brasil, além de ler trechos de suas obras.

12h - 13h15m | Mesa 15 | Monte Santo
Ismail Xavier
Miguel Gomes

Quais são as formas possíveis de representação do sertão no cinema? O grande crítico de cinema brasileiro Ismail Xavier conversa com o cineasta português Miguel Gomes, que atualmente dirige o longa-metragem "Selvajaria", uma adaptação livre de Os sertões.

15h30m - 16h15m | Mesa 16 | Poço de Cima
Grace Passô

A dramaturga, diretora e atriz premiada é a convidada deste encontro, que se divide em dois tempos: uma performance autoral da artista e um bate-papo.

17h - 18h15m | Mesa 17 | Vila Nova da Rainha
Carmen Maria Machado
Jarid Arraes

Neste encontro, reúnem-se Jarid Arraes, autora de Juazeiro do Norte, que reinventa a poesia de cordel ; e Carmen Maria Machado , autora nascida nos Estados Unidos, filha de cubanos, que mistura formas narrativas tradicionais e não tão tradicionais assim.

19h - 19h45m | Mesa 18 | Massacará
Sidarta Ribeiro

O neurocientista irá substituir o biólogo Stuart Firestein, baixa de última hora da Flip . Sidarta é fundador e vice-diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e seu último livro publicado é "O oráculo da noite", sobre como nosso cérebro processa os sonhos.

20h30 - 21h45m | Mesa 19 | Cocorobó
Cristina Serra
David Wallace-Wells

Dois jornalistas, a brasileira Cristina Serra e o americano David Wallace-Wells abordam os meandros científicos, econômicos e políticos dos impactos causados pela intervenção humana no planeta, além de nos apresentarem as possíveis – e prováveis – consequências sombrias de certas práticas para o futuro.

22h - 23h30m | Igreja da Matriz | Máquinas do mundo

Performance situada em uma zona de contágio entre as artes plásticas, a literatura e o teatro, Máquinas do mundo, do núcleo de arte da mundana companhia de teatro, explora as potencialidades estéticas contidas no contraponto entre o poema “A máquina do mundo”, de Carlos Drummond de Andrade, “O delírio”, sétimo capítulo de Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e um capítulo de A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector.

Domingo, 14 de julho

10h30 - 11h45m | Mesa 20 | Santo Antônio da Glória
Bráulio Tavares
Mariana Enriquez

Ficção científica, poesia de cordel, histórias fantásticas e de terror são alguns dos temas que pautam esta mesa, que reúne dois escritores – um brasileiro e uma argentina – que transitam por gêneros diversos, como contos, crônicas, romances e textos jornalísticos.

12h30 - 13h15m | Mesa 21 | Livro de Cabeceira
Participação especial: Amyr Klink

A tradicional mesa de despedida da Flip, em que autores leem trechos de seus livros preferidos recebe, pela primeira vez, um convidado especial: Amyr Klink .