SÃO PAULO — O historiador britânico Simon Sebag Montefiore é um renomado biógrafo de tiranos russos e soviéticos. Publicou dois livros sobre Joseph Stálin — um deles dedicado à juventude do ditador — e um volume de quase mil páginas sobre os Románov, a dinastia que conduziu a Rússia por três séculos e foi derrubada pelos bolcheviques.
FLIP 2018 : Saiba tudo sobre a Festa Literária de Paraty
A primeira biografia russa de Montefiore foi “Catarina, a Grande, & Potemkin”, publicada em 2000. No livro, que acaba de ganhar edição brasileira, ele narra a bem-sucedida parceria político-sexual de Catarina, a Grande, e Grigóri Alexándrovitch Potemkin, um talentoso estadista e estrategista militar.
LEIA MAIS: Angelina Jolie vai adaptar para cinema história de Catarina
Nascida na Alemanha, Catarina liderou o Império Russo de 1762 a 1796. Assumiu o trono depois de articular uma conspiração para derrubar e assassinar seu marido, o inepto czar Pedro III. Comandou a Rússia com punhos de aço e acenou para a Europa iluminista — o que lhe rendeu o título de “déspota esclarecida”. Potemkin, conhecido pela farta cabeleira avermelhada e por seu desmedido apetite sexual, ajudou-a no governo da Rússia até sua morte, em 1791.
Em entrevista ao GLOBO, Montefiore, um dos convidados da Flip 2018 , contou por que essa história de sexo e política ainda é relevante nos tempos de Vladimir Putin.
“Catarina e Potemkin aconselhariam Putin a retomar o lugar da Rússia na Europa e a reconhecer que ele pode até pressionar as potências ocidentais, mas há um limite.”
Por que escrever um livro sobre a parceria político-sexual de Catarina, a Grande, e Potemkin?
Porque é a maior e mais bem-sucedida parceria político-amorosa da História — além de ser um romance tórrido, como podemos ver pela correspondência deles, cheia de erotismo, além de discussões políticas e militares. Eu quis reabilitar Catarina e Potemkin. Eles foram os líderes mais humanos da história russa e continuam relevantes hoje — afinal, eles anexaram a Crimeia e a Ucrânia, e intervieram na Polônia e no território que hoje é a Síria. E, é claro, eles viviam arranjos políticos, amorosos e sexuais inusitados. Viveram um amor selvagem, casaram-se em segredo e governaram juntos, embora mantivessem outros amantes, mais jovens. E tudo isso funcionou perfeitamente por muito tempo. Muito moderno e prático, não acha?
Essa combinação de política e sexo lhe interessa como historiador?
Quero entender como a política e as personalidades individuais se relacionam — e o sexo é parte importante da vida de alguns indivíduos; de outros, nem tanto. Catarina era uma mulher passional e desinibida. Ela respeitava Potemkin por sua inteligência e habilidade política, mas também por sua beleza e sua virilidade. Ela não era ninfomaníaca, como dizem as lendas. Vivia para a política e para o poder, mas precisava estar sempre apaixonada. Na parceria com Potemkin, ela juntava todas essas coisas. Mas, sim, o sexo é importante. Assim como é importante saber com quem Putin luta karatê. Ou com quem Trump joga golfe.
Catarina expandiu as fronteiras do Império Russo e não implementou reformas liberalizantes, como a abolição da servidão. Ela realmente merece o título de “déspota esclarecida”?
Ela era esclarecida quando podia, mas também era uma usurpadora e uma regicida. Matou o próprio marido e não era uma Románov legítima. Precisava ser cuidadosa, ou acabaria assassinada. É por isso ela nunca aboliu a servidão. Era sagaz, conhecia os limites do poder.
Catarina e Potemkin tinham aquilo que Maquiavel chamou de “virtude”, a habilidade dos governantes de driblar o acaso e impor sua vontade? Ou foram ajudados pela “fortuna”, ou seja, tiveram sorte?
As duas coisas. Eles eram determinados e corajosos. Acreditam no uso do poder para a promoção do bem, o que, no século XVIII, não significava só filantropia, mas também expansão territorial. Catarina e Potemkin eram gênios políticos porque eram sensíveis para reconhecer os limites do poder, mas também imaginosos e ambiciosos para ir além, sem, entretanto, ir longe demais.
Catarina e Potemkin conquistaram a Crimeia e o leste da Ucrânia no século XVIII. Em 2014, a região foi invadida por Putin...
Putin leu o meu livro. Quando “Catarina, a Grande & Potemkin” foi publicado pela primeira vez, ele tinha acabado de chegar ao poder, e uma equipe do Kremlin entrou em contato comigo para discutir alguns aspectos do livro. Os russos não sabiam muito sobre Catarina e Potemkin, que quase não apareciam nos livros didáticos soviéticos. Putin estava muito interessado nas ações militares de Potemkin no Mar Negro, na Crimeia, na Ucrânia, no Cáucaso e no mundo árabe. É interessante porque isso foi em 2000 e, depois disso, Putin guerreou com a Geórgia, invadiu a Ucrânia e aumentou a influência russa no Oriente Médio. Meu livro está sendo reeditado na Rússia agora.
Que conselho Catarina e Potemkin dariam a Putin?
Catarina e Potemkin eram nacionalistas, mas também internacionalistas. Acreditavam no Iluminismo. Eles aconselhariam Putin a retomar o lugar da Rússia na Europa e a reconhecer que ele pode até pressionar as potências ocidentais, mas há um limite.
Você está animado para a Copa do Mundo na Rússia e, em seguida, para a vinda à Flip, no Brasil?
Vou assistir aos jogos. O Brasil tem jogadores muito bons, quero até comprar uma camisa da seleção. Eu acho que a Inglaterra tem alguma chance. Ou será um sonho? Quanto à Flip, estou animado. Eu sempre quis visitar o Brasil. Já fui lançar meus livros na América Latina, mas nunca no Brasil. Adoro a cultura e a história brasileiras — do Império à República. Espero que minha trilogia de romances policiais ambientada em Moscou (“Sashenka”, “Red sky at noon” e “One night in winter”) também seja publicada aí.
“Catarina, a Grande, & Potemkin: Uma história de amor na corte Románov”
AUTOR: Simon Sebag Montefiore.
TRADUTOR: Berilo Vargas.
EDITORA: Companhia das Letras.
PÁGINAS: 810.
PREÇO: R$ 89,90.