Cultura Livros

Flip: Igiaba Scego lança livro afetivo sobre Caetano Veloso

Obra é misto de ensaio e depoimento afetivo sobre o cantor
Escritora italiana Igiaba Scego Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Escritora italiana Igiaba Scego Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

PARATY - Italiana, filha de imigrantes da Somália, a escritora Igiaba Scego, quem diria, acabou vindo parar no Brasil. Mas não foi por acaso: dividida entre as identidades africana e europeia, ela chega à Flip não apenas pelas questões que traz de berço, mas por uma paixão insuspeita: é a autora de “Caminhando contra o vento" (2016), misto de ensaio e depoimento afetivo sobre Caetano Veloso, que sai agora no Brasil, numa joint venture entre as editoras Nós e Buzz. Por aqui, Igiaba também teve lançados, pela Nós, os livros “Minha casa é onde estou” (de 2010, em que une memórias de primos dispersos pelo mundo) e o romance “Adua” (2015).

FLIP 2018 : Veja a programação completa do evento

Sexta-feira, ao meio-dia, ela participa da mesa “Minha casa", no Auditório da Matriz, junto com o poeta e tradutor de origem suíça Fabio Pusterla. E no sábado, às 10h, do bate-papo com sessão de autógrafos “Caetanear-Claricear”, na Casa Paratodxs.

Em entrevista por telefone, essa jornalista com formação em Literatura Moderna, conta — em espanhol — que já conhecia as obras de Jorge Amado e de Clarice Lispector, além do “Macunaíma” de Mário de Andrade (depois, veio a fascinar-se pelos livros de Luiz Ruffato), antes de interessar-se pela música brasileira.

— Essa curiosidade toda me levou a visitar o Brasil, de férias, 11 anos atrás. Fui ao Rio, Curitiba, Florianópolis e São Paulo. Encontrei um povo muito amável e gentil e todas as contradições que existem em todos os lugares. Havia uma pobreza diferente da que temos aqui e um pouco mais de violência. Mas não tanto o racismo, que eu conhecia mais dos romances brasileiros.

“Este homem salvou a minha vida”, escreve Igiaba em “Caminhando contra o vento”, livro em que atravessa a história de Caetano e fala de como a sua poesia e sua voz tanto lhe falaram ao coração, estabeleceram pontos de contato com sua própria vida, e a ajudaram a atravessar momentos difíceis. O convite para realizar esse livro tão pessoal, ela conta, veio de uma editora italiana que costuma perguntar aos escritores quais são as suas paixões e pede para que escrevam sobre elas.

— É um livro sobre alguém obcecado. No caso, eu — brinca a escritora, que no último sábado viu em Roma o show “Ofertório”, de Caetano, com os filhos Moreno, Tom e Zeca. — Foi como entrar em sua casa e o olhar em sua intimidade.

E Igiaba também se liga ao Brasil pelo futebol. Ela é admiradora do jogador Sócrates (1954-2011), embora ele não tenha jogado pelo seu clube do coração, o Roma, mas pela Fiorentina.

— Sócrates era o melhor. Tinha cabeça e queria mudar o mundo com o futebol — diz ela.

Igiaba Scego tem todo um trabalho acadêmico focado em seus estudos sobre a história da imigração e o colonialismo. Em sua literatura, ela diz tentar retratar a presença negra na IItália. Daí veio “Adua”, romance em que se cruzam e se unem as histórias de uma mulher que quer ser atriz nos anos 1970 e de seu pai, que viveu o colonialismo e o fascismo. Fora da ficção, a escritora diz que “não foi fácil" ser negra e mulher na Itália ao nos anos 1980 e 1990.

— Meus pais se equivocaram e foram viver em um dos bairros mais conservadores de Roma — recorda-se. — Mas o povo italiano tem a cabeça mais aberta que as dos seus políticos, tive professores que me ajudaram e acreditaram muito em mim. Agora, o que acontece é que os afrodescendentes na Itália estão mais unidos que antes, pelas redes sociais. Isso é importante. Porque mesmo na Somália havia divisões. Na guerra civil, que durou 27 anos, as pessoas odiavam os seus vizinhos, que tinham a sua mesma cor, mas eram de outra etnia.