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Flip: Mesmo com tradução atrapalhada, Liudmila Petruchévskaia brilha e diverte

Autora russa, famosa por contos assustadores, terminou mesa cantando “Besame mucho”
A escritora Liudmila Petruchévskaia, em mesa na Flip Foto: Walter Craveiro / Divulgação
A escritora Liudmila Petruchévskaia, em mesa na Flip Foto: Walter Craveiro / Divulgação

PARATY - Quando Liudmila Petruchévskaia, 80 anos, sobe ao palco da 16ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) com seus tradicionais chapéu e vestido negros e cabelos grisalhos, é fácil confundi-la com uma simpática bruxa. Ao fim de seu espetáculo (metade entrevista, metade show), está confirmado: a russa é capaz de jogar feitiços, seja com suas respostas irreverentes, seja ao decidir usar a sua mesa para cantar, um hobby adquirido apenas quando tinha 69 anos.

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— Isso é somente para o palco! — diz a escritora de “Era uma vez uma mulher que tentou matar o bebê da vizinha” sobre as suas roupas. —  Na verdade, eu adoro chapéu, eu acho que uma mulher usando chapéu cria um interesse a mais. Eu tenho 80 anos, mas quero parecer uma mulher interessante ainda — explicou, em uma das diversas vezes em que arrancou gargalhadas do público.

Considerada uma das maiores escritoras contemporâneas da Rússia, Liudmila bem sabe que não precisa de chapéu para ser interessante. Nascida em 1938, ela vivenciou a Segunda Guerra Mundial, passou fome e chegou a ter sua obra banida da antiga União Soviética. Seus contos arrebatadores fazem com que ela seja considerada uma herdeira de Nikolai Gogol (1809-1852).

“Essas histórias, às vezes assustadoras, existem dentro do povo. O Gogol não inventou nada, ele ouvia as histórias do povo.”

Liudmila Petruchévskaia
escritora

— Por causa da fome,  minha avó ficou doente. Por isso, eu ficava do lado dela na cama, e ela me contava os clássicos russos que sabia de cabeça. Ouvia as histórias de Nikolai Gogol, que é um poeta não por que escrevia poesias, mas porque a prosa dele era poética.

Ainda citando Gogol, ela diz que encontra suas histórias ouvindo as pessoas.

— Essas histórias, às vezes assustadoras, existem dentro do povo. O Gogol não inventou nada, ele ouvia as histórias do povo. Se você ouvi-lo, ele vai te contar histórias assustadoras que é impossível de se inventar — defende ela, que diz ter “ouvidos de elefante” e explica com bom humor sua técnica:

— Quando as pessoas contarem essas histórias, elas não vão gostar se você anotar. Mas o que eu faço é anotar escondida — diz a escritora, que recentemente foi ao Facebook pedir relatos de casos reais, com o objetivo de reuni-los em um livro.

CANTORIA AO FIM DA MESA

O charme de Liudmila conquistou a plateia mesmo (ou até com ajuda) da barreira linguística. Falante apenas do russo, a escritora contou durante a mesa com o apoio do filho, o artista visual Fyodor Pavlov-Andreevich, falante de português, para traduzir as perguntas da mediadora, a jornalista portuguesa Anabela Mota Ribeiro. Só que por causa do sotaque de Anabela, nem sempre Pavlov-Andreevich acertava na tradução. Mesmo com a pergunta errada, Liudmila sempre tirava da cartola alguma frase de efeito.

Detalhe dos anéis na mão de Liudmila Petruchévskaia Foto: Walter Craveiro / Divulgação
Detalhe dos anéis na mão de Liudmila Petruchévskaia Foto: Walter Craveiro / Divulgação

— Vocês têm um ótimo senso de humor! — exclamou a escritora.

Em um dos momentos mais hilários, Anabela lhe perguntou o que significava para ela ser best-seller nos Estados Unidos, a pátria do capitalismo.

— Tanto faz!

Mas o grande ato da russa ainda estava por vir: ao fim das perguntas, ela disse que iria cantar. E como cantou: foram cinco músicas, entre elas “Champs Elysées”, “Only you” e “Besame mucho”, em parte nas línguas originais e em parte em russo. Alguns foram embora no meio, mas Liudmila não se importou: no fim, saiu aplaudida de pé.