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Flip: 'Racismo feroz na Itália está destruindo corpos', diz Igiaba Scego, de origem somali

Escritora participou de segunda mesa do dia com poeta suíço Fabio Pusterla
A escritora Igiaba Scego Foto: @waltercraveiro / Divulgação
A escritora Igiaba Scego Foto: @waltercraveiro / Divulgação

PARATY - Uma reflexão sobre os movimentos migratórios contemporâneos e seus desdobramentos na política e na literatura envolveu o público presente para a mesa "Minha casa", que reuniu dois escritores multiculturais - Igiaba Scego, italiana de ascendência somali; e Fabio Pusterla, poeta suíço que escreve em italiano, na Flip . A mediação foi da escritora Noemi Jaffe.

FLIP 2018: Veja a programação completa.

A partir da ideia da língua como uma “casa”, que abrigaria a identidade das pessoas, ambos analisaram como os movimentos diaspóricos representam um grande mal-estar no velho continente. Sobre o caso italiano, Igiaba afirmou que a literatura pode servir para agir frente à crise humanitária.

- Para mim escrever é um ato político. Na Itália estamos vivendo um momento de um racismo feroz, que está destruindo os corpos. O corpo negro está sempre correndo risco, risco de ser destruído. Existe uma forma de escrever nos jornais sobre os imigrantes, sobre os afrodescendentes que é assustadora – disse a autora de “Adua” e “Caetano Veloso: caminhando contra o vento”.

Para Igiaba, o Mar Mediterrâneo, palco das travessias de africanos que se arriscam para tentar adentrar o solo europeu, virou um “cemitério”. Na mesma linha, Pusterla afirmou que o continente vive uma guinada conservadora que enxerga no imigrante um perigo, com governos apostando na política do “medo”.

O poeta suíço Fabio Pusterla Foto: @waltercraveiro / Divulgação
O poeta suíço Fabio Pusterla Foto: @waltercraveiro / Divulgação

- Nós certamente estamos vivendo na Europa uma época atroz, terrível, em que a política de direita é quase abertamente fascista. Estão provocando cada vez mais fechamentos em torno de seus próprios privilégios, o que é uma ilusão, pois não temos como viver mais um século com essas desigualdades sociais – disse o escritor, que lança na Flip sua primeira obra no Brasil, “Argéman: antologia poética”.

A discussão densa capturou o público que aplaudia a cada fala dos convidados. Igiaba enfatizou a atual crise europeia fazendo um paralelo com a violenta história do colonialismo europeu nos países africanos, como a presença italiana na Somália, país de origem de seus pais.

- Nós nos perguntamos como isso pode ter acontecido no passado, mas na verdade isso está acontecendo no presente. Não podemos permitir que isso volte – afirmou Igiaba que agradeceu  e aplaudiu quando uma mulher da plateia gritou “Marielle presente”.

Pusterla lembrou como a própria história da literatura nasce dos deslocamentos pelo mundo.

- A poesia italiana e europeia se funda pelo exílio. Dante Alighieri foi exilado de Florença, sua pátria na época. Teve que vagar pedindo esmolas. Se ele vivesse hoje, poderíamos encontrá-lo tentando atravessar o muro que Trump constrói na fronteira com o México.

Para o autor, os romances podem atuar como uma “ferramenta de ação direta” sobre as desigualdades sociais. Já a poesia cumpriria outro papel.

- A poesia não pode fazer a mesma coisa, mas pode questionar as palavras e seus sentidos.