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'Hoje, todo mundo quer se esconder e esperar que tudo isso acabe', diz autora de 'Meu ano de descanso e relaxamento'

Ottessa Moshfegh conta que, após terminar livro sobre protagonista que só quer dormir, sofreu com crise de insônia
sonâmbula Foto: Arte de André Mello sobre foto de divulgação
sonâmbula Foto: Arte de André Mello sobre foto de divulgação

RIO - Autora de “Meu ano de descanso e relaxamento” , publicado no Brasil pela Todavia, a escritora americana Ottessa Moshfegh , de 38 anos, sempre achou o sono um fenômeno muito estranho.

— Sou alguém que tem dificuldade de renunciar ao controle, e nós, sem querer, somos muito vulneráveis enquanto dormimos. Me dá uma ansiedade, soltar as coisas dessa maneira — confessa a escritora que, por isso mesmo, resolveu escrever um livro sobre uma moça que, cansada da vida, resolve dormir por um ano inteiro.

Sem ser identificada pelo nome ao longo do livro, a protagonista é uma jovem moradora do Upper East Side de Nova York, rica e lindíssima, no começo dos anos 2000. Órfã de pais que sempre a negligenciaram, abandonada por um boy lixo e apenas contando com Reva, uma pseudoamiga a quem no fundo despreza, ela não encontra nada capaz de emocioná-la. Mas, ao invés de se matar, decide ingressar em uma dieta de remédios capaz de dopá-la na maior parte do tempo. Depois disso, ela espera acordar de vez, finalmente revigorada.

Margot Robbie viverá protagonista em filme

Loura, branca, protestante e magra (conforme a bulímica Reva sempre faz questão de reparar), a protagonista é comparada ao longo do livro com beldades como Faye Dunaway, Farrah Fawcett, Sharon Stone e a modelo Amber Valletta. E, em breve, deve ser interpretada no cinema por Margot Robbie , cuja produtora, LuckyChap, comprou os direitos para adaptar a obra. Em um mundo em que, cada vez mais, o sono é um luxo, Moshfegh explica as razões de ter feito sua dorminhoca tão privilegiada:

— Ela não está sofrendo para ganhar dinheiro, não está sofrendo com a sua identidade de uma forma superficial. Não está sofrendo com inseguranças que a fariam se esforçar mais em qualquer coisa. Ela é completamente complacente consigo mesma, então sua decisão de se retirar à inconsciência é uma questão existencial.

A capa do livro de Ottessa Moshfegh Foto: Reprodução
A capa do livro de Ottessa Moshfegh Foto: Reprodução

Para a escritora, era importante que a personagem fosse um (raro) caso de mulher que tem livre arbítrio, ao invés de alguém que se vê oprimida por forças maiores da sociedade.

— Essa é realmente a história. É alguém que exerce sua vontade. Há muitas histórias ao redor, inclusive que eu mesma já escrevi, em que os personagens mudam porque são moldados por outras pessoas ou situações. Queria ver o que essa personagem faria para mudar completamente, estando apenas consigo mesma — diz ela, que foi indicada ao Man Booker Prize em 2016 por “Eileen”, livro ambientado nos anos 1960 sobre uma infeliz funcionária de uma prisão que vive com o pai alcóolatra.

Whoopi Goldberg leu e adorou

De fato, se alguém pode ser verdadeiramente considerado uma companhia na vida da protagonista são as fitas que ela deixa rolar no videocassete enquanto espera seu coquetel de remédios fazer efeito. Em especial, ela encontra consolo na imagem de Whoopi Goldberg (que leu o livro e adorou).

— Mesmo quando está atuando, Whoopi não é nada pretensiosa. Ela tem um indiscutível conforto em estar na sua própria pele. Acho que a personagem se sente atraída por essa estabilidade. Num mundo em que todo mundo é manipulador, Whoopi é autêntica. É como se ela fosse uma aliada na honestidade — explica.

Embora tenha sofrido com insônia a vida inteira, Moshfegh dormiu como um anjo enquanto arquitetava as sonecas de sua heroína. O problema, no entanto, voltou uma vez que o livro foi publicado.

— É engraçado que, quando estava escrevendo o livro, não tive problemas, mas, assim que terminei, passei por uma grande crise de insônia. Não sei se foi algo que o livro fez comigo ou que eu estava prevendo de alguma forma.

A americana ainda diz que só percebeu que seu romance se passava na Nova York pré-11 de Setembro ao descrever a galeria de arte onde a protagonista trabalhava. Ela concorda que o livro, que começou a ser escrito antes da eleição de Donald Trump, jamais poderia se passar nos tempos de hoje. O motivo é evidente: diante da avalanche de acontecimentos absurdos no mundo, não seria difícil encontrar quem queira se dopar por um bom tempo.

— Se eu tivesse ambientado o livro nos tempos atuais, a questão de por que ela quer hibernar seria respondida muito facilmente. Agora, todo mundo quer se esconder e se desconectar, sonhar por um ano e esperar que tudo isso acabe.

"Meu ano de descanso e relaxamento"

Autora: Ottessa Moshfegh Tradução: Juliana Cunha Editora: Todavia Preço: R$ 54,90 240 páginas