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J.K. Rowling esconde seu nome e seu talento em novo livro policial

Criadora de Harry Potter desaponta em ‘Branco letal’, que a britânica assina com o pseudônimo Robert Galbraith
J.K. Rowling na premiére de "Animais Fantásticos: Os crimes de Grindelwald", em Londres, 2018 Foto: John Phillips / Getty Images
J.K. Rowling na premiére de "Animais Fantásticos: Os crimes de Grindelwald", em Londres, 2018 Foto: John Phillips / Getty Images

Autor: Robert Galbraith (J.K. Rowling) Editora: Rocco Tradução: Ryta Vinagre Páginas: 656 Preço: R$ 69,90 Cotação: ruim

Capa de "Branco letal", de Robert Galbraith (J.K. Rowling) Foto: Divulgação
Capa de "Branco letal", de Robert Galbraith (J.K. Rowling) Foto: Divulgação

Antes de mais nada, uma questão: por que usar o pseudônimo Robert Galbraith para assinar “Branco letal”, quarta aventura do detetive Cormoran Strike? Todo mundo sabe, e o próprio livro deixa claro, que esse Galbraith é a britânica J. K. Rowling, que ficou bilionária com o seu Harry Potter. Então esqueçamos o pseudônimo e deixemos na conta da Rowling esse thriller modorrento.

Opa. As palavras “thriller” e “modorrento” não combinam quando andam juntas. É sério? Deveras. O texto mais dinâmico do livro está na orelha. De resto, o leitor terá pelo menos umas 80 páginas sem sinal da trama principal. E essa indolência narrativa, quase sem exceção, vai se estender por 648 páginas. Tijolão.

Quando a história começa, a jovem Robin Ellacott está em sua festa de casamento, mas infeliz por ter sido recentemente demitida pelo detetive Strike do seu escritório. E é ele quem chega, de repente, querendo que ela volte ao emprego. E ainda chega com ares de celebridade, pois acaba de prender um terrível estripador e só se fala nisso na imprensa. Todo mundo quer selfie com ele.

Nesse longo preâmbulo, ficamos sabendo que Strike e Robin vivem uma paixonite antiga. Opostos se atraem. Strike é um grandalhão bruto e charmoso. Veterano de guerra, estouradinho, usa prótese para substituir a meia perna que perdeu no Afeganistão. Já a recém-casada Robin, aos 27 anos, é sua assistente, ótima profissional e amiga. Seu único namorado foi o atual marido, um abusado mulherengo.

Tesão Incubado, trama confusa

Assim, em vez de explorar a forte tensão sexual entre dois parceiros de trabalho (o que pode ser divertido), Rowling prefere apenas um love infantojuvenil, um tesão incubado sem as vias de fato. Tudo isso caía bem na turma do Harry Potter, mas perde sentido depois de certa idade — mesmo entre ingleses.

“Branco letal” cozinha esse caso insosso junto com a investigação principal. É meio nebuloso: um jovem com problemas mentais procura o detetive para denunciar o estrangulamento de uma criança “séculos, anos atrás”. Ele diz o que tem a dizer e some no mundo.

Strike acredita na conversa, aciona suas fontes e localiza o irmão do rapaz liderando um grupo contrário à realização das Olimpíadas de 2012 na capital inglesa . Este, por sua vez, é vigiado por ninguém menos que o ministro da Educação, um racista nojento que despreza mulheres e tem filhos problemáticos. Ele decide contratar Strike porque está sendo chantageado justamente pelo tal irmão do jovem esquizofrênico. E por aí vai. Pausa para respirar.

Deixemos, então, que o leitor descubra como Strike e Robin vão se virar. Há pistas e despistes, como reza o manual. No fim, dá tudo certo. É disso que o povo gosta. Não à toa, “Branco letal” é o quarto livro da dupla. Eles não devem parar, pois já viraram série de TV produzida pela própria autora. É mais um reforço para o caixa da escritora, que vendeu 650 milhões de cópias só com Harry Potter.

J. K. Rowling sempre faz sucesso e não será diferente com “Branco letal”. Mas ela poderia experimentar a mágica da concisão. Do jeito que está, suas tramas vão se esgarçando ao longo de muitos caminhos tortuosos — o livro fala até em contrabando de cadafalsos! E tijolos literários não são confortáveis, a não ser quando assinados por mestres em seu gênero. Definitivamente, ainda não é este o caso de J. K. Rowling (ou de Robert Galbraith, se preferir) quando se trata de policiais para adultos.

Nelson Vasconcelos é jornalista