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Jonathan Franzen: 'Não importa que me odeiem'

Com ensaio inédito saindo no Brasil, autor americano discute sua relação com a internet e relembra Flip 'desastrosa' em 2012
Jonathan Franzen: autor americano tem ensaio inédito publicado no Brasil pela revista ‘Serrote’ Foto: Alexander Heinl / AP
Jonathan Franzen: autor americano tem ensaio inédito publicado no Brasil pela revista ‘Serrote’ Foto: Alexander Heinl / AP

RIO — Poucos escritores são mais visados na internet do que Jonathan Franzen . Uma das mais famosas figuras literárias dos EUA, o autor de “As correções” e “Liberdade” é alvo frequente de haters , críticos raivosos que ironizam seu status de “grande romancista americano” e reduzem-no ao rótulo de “escritor branco de classe média”. Eles inclusive fazem troça de sua obsessão pela conservação dos pássaros e de seu suposto elitismo intelectual.

“Agora, infelizmente, as pessoas passam a maior parte do tempo online. As novas gerações não sabem o que é um parque natural. Não têm familiaridade com outras espécies, não caminham para observar pássaros, nunca viram lobos...”

Jonathan Franzen
Escritor

A recíproca, no entanto, é verdadeira. Franzen também tem opiniões fortes sobre o mundo online e, desde 2010, vem frequentemente criticando as redes sociais. A edição 28 da revista “Serrote”, que será lançada neste sábado, na Feira Plana, em São Paulo, publica um dos textos mais contundentes e pessoais do autor, o ensaio “Tarde demais para salvar o mundo”.

Escrito originalmente para o jornal inglês “The Guardian“ em 2017 para marcar o primeiro ano de governo Trump, o texto é um exemplo dessa briga. O autor reflete sobre os desafios da humanidade diante das catástrofes ambientais e do atual presidente americano, que as renega. Mas Franzen também questiona o papel do ensaísta literário num mundo inundado pelos discurso de ódio e pela superexposição das redes sociais.

Em entrevista ao GLOBO por telefone, de Nova York, o autor de 56 anos fala com honestidade e bom humor sobre sua relação com as redes. E comenta suas discordâncias dos movimentos ecológicos, que o criticam por suas posições sobre as mudanças climáticas.

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Neste novo ensaio, você diz que ensaístas são como bombeiros que correm em direção às chamas da vergonha. Você se expôs como poucas vezes antes. Por que é importante escrever algo tão pessoal num momento tão dramático como o que vivemos?

Ensaios costumam falar de experiências de forma subjetiva e pessoal. Existe a ideia de que isso seria a mesma coisa que as redes sociais fazem, que os blogs fazem. Como no mundo de hoje estamos saturados por esse fluxo de compartilhamento de informações pessoais online, é possível se perguntar por que ainda precisamos de ensaios. Tentei então descrever as diferenças entre o ensaio e esse tipo de material que achamos online.

Qual é a principal diferença entre os dois?

Um ensaio assume um tipo de risco, expõe um tipo diferente de coisa. Em vez de assumir uma persona que pareça poderosa, o ensaísta ou a ensaísta mostra vulnerabilidade. Já no ambiente online é muito perigoso mostrar vulnerabilidade, porque é muito fácil ser humilhado, inflamado ou botado para baixo. Então esse meu texto é não apenas uma tentativa de mostrar esta diferença, como também de mostrar por que ainda necessitamos de ensaios.

Por ser uma pessoa muito visada, especialmente na internet, sente medo ao se expor?

“No ambiente online é muito perigoso mostrar vulnerabilidade, porque é muito fácil ser humilhado, inflamado ou botado para baixo”

Jonathan Franzen
Escritor

Tenho o luxo de não precisar ler o que falam sobre mim online. Ouço apenas em segunda mão. Sei que isso parece me deixar numa posição defensiva, mas na verdade não é assim tão difícil. Então isso essencialmente afeta meu trabalho, porque me faz viver em um estado de isolamento autoimposto da opinião dos outros.

Por que suas opiniões atraem tanta atenção online?

Porque todos sabem que eu não ligo. Sou alheio ao mundo online. As pessoas que passam todo o seu tempo nesse mundo ficam com raiva de mim porque já deixei claro que tenho pouco apreço pelo que elas fazem.

Seu texto serve como complemento a outro ensaio seu, de 2015, que questionava dogmas do ambientalismo e provocou a ira de ativistas. Você se sente incompreendido?

É frustrante saber que me veem como controverso, porque não me parece que digo coisas controversas. O que escrevi sobre mudanças climáticas em 2015 era de fato controverso. E eu sabia disso, daí ter sido tão difícil escrevê-lo. Mas, em geral, o que escrevo são histórias pessoais. Quero apenas dizer minhas verdades, expor meus pensamentos, mas as pessoas pegam fragmentos disso e os detonam em algo que eu não disse.

Ao googlar seu nome, é possível encontrar muitas críticas raivosas, mas também distorções. Por exemplo, quando você disse que é preciso controlar a população de gatos selvagens para proteger os pássaros, chamaram-no de genocida, como se quisesse matar todos os gatos.

Autor americano esteve na Flip em 2012: 'Foi o pior evento público da minha carreira' Foto: Márcia Foletto / Agência O GLOBO
Autor americano esteve na Flip em 2012: 'Foi o pior evento público da minha carreira' Foto: Márcia Foletto / Agência O GLOBO

Acho que existe uma sobreposição entre pessoas que passam muito tempo com seus gatos e pessoas que passam muito tempo online ( risos ). É quase a mesma coisa. Mas o que acontece é que as pessoas estão com medo do povo gateiro.

Os amantes dos gatos amam seus gatos, não querem ouvir a verdade, não querem ouvir nada contra os gatos. Então, a maioria das pessoas não quer falar sobre o problema dos gatos porque sabe que vai atrair ódio do povo gateiro. E aí está a minha posição privilegiada: não importa que me odeiem.

E porque me dei muito bem escrevendo livros, porque tenho uma boa reputação literária e ganhei muito dinheiro, eles não podem me atingir. Por isso, sinto que tenho a responsabilidade de falar aquilo que outros menos privilegiados têm medo de falar.

Neste ensaio, você faz sua autocrítica, defende contradições e diz que é possível ser honesto e, ao mesmo tempo, ter uma identidade múltipla. Acha que a nuance é um antídoto ao ambiente polarizado de hoje?

Quando o discurso se torna polarizado, e na internet isso acontece rapidamente, não é permitido ter duas opiniões sobre a mesma coisa. Você precisa ter uma única opinião. Há uma simplificação radical online, que é parte da polarização. Isso vai contra os seres múltiplos que realmente somos.

E acho que, se você falar pessoalmente com as pessoas que ficam triturando online, elas vão admitir que têm sentimentos muito mais conflitantes do que aqueles que lhes são permitido expressar por lá.

A internet é um reino do terror, se você não disser exatamente o que deve dizer, vão lhe machucar. E isso tanto na direita quanto na esquerda.

Você é uma das vozes mais presentes nos debates sobre a cultura da internet. Como consegue entender as mídias digitais sem estar nelas?

“Se pararmos todas as emissões de carbono amanhã, o planeta continuaria a aquecer por mais cem anos. Já está acontecendo. Então, a esta altura do campeonato, a ideia de que vai adiantar nos reunirmos em hotéis bacanas e deter isso é só uma fantasia.”

Jonathan Franzen
Escritor

Eu passo bastante tempo na internet. Não moro numa caverna. Quando trabalho num romance, não gosto de ter tantas informações, porque quero poder inventar coisas. E também sinto que há informação demais circulando. Você não pode dar sentido a uma inundação de dados. Mas se receber alguns pedacinhos desses dados e olhá-los com calma, pode entender melhor o que está acontecendo.

Há muitas fontes para entender as redes sociais, as pessoas escrevem sobre suas experiências nelas o tempo todo. Eu sei como a plataforma funciona, eu fui lá olhar. Sei como é um feed do Twitter ou uma página no Facebook. Sei tudo que preciso saber.

Mas...

( Interrompendo ) Eu confiei nos meus instintos. E meus instintos eram: “Isso é promissor para fazer do mundo um lugar melhor e não está fazendo”. A prova é que temos agora Donald Trump como presidente. As redes sociais não fizeram um mundo melhor, e não acho que você precisa ser um gênio para ter previsto isso.

Se o Twitter não existisse, Donald Trump teria sido eleito?

Não. Mas também deveríamos colocar o Facebook nessa. Sem essas plataformas, não teria jeito de ele se eleger.

No ensaio, você diz que as mudanças climáticas são o assunto mais importante da história da humanidade. Mas também reafirma, como já havia colocado naquele outro ensaio de 2015, que não há mais nada a fazer para detê-las.

Acho que você está generalizando um pouco o que eu disse. Podemos fazer coisas para amenizar algumas questões das mudanças climáticas... É importante controlar as emissões de carbono. E reconhecer os efeitos em várias partes do mundo, como a mudança no padrão das chuvas ou o aquecimento absurdo. Mas o que eu dizia em 2015 é que a humanidade não se unirá e tomará ações drásticas rápido o suficiente para prevenir os eventos catastróficos.

E acredita que, mais uma vez, seus instintos estavam certos na época?

Estava claro para mim. E, devo dizer, tenho ouvido cada vez menos movimentos ecológicos dizerem que vão deter a catástrofe. Está começando a cair a ficha de que a terrível mudança no planeta não pode ser evitada. Se pararmos todas as emissões de carbono amanhã, o planeta continuaria a aquecer por mais cem anos. Basicamente, já está acontecendo. Então, a esta altura do campeonato, a ideia de que vai adiantar nos reunirmos em hotéis bacanas e deter isso é só uma fantasia.

Então o que você diz é que estamos numa espécie de negação sobre a inevitabilidade das mudanças climáticas, e que o melhor é aceitar e focar em ações concretas?

É exatamente isso.

A presidência de um negacionista como Trump pode, paradoxalmente, levar as pessoas para essa direção?

Há um precedente histórico. Nos anos 1980, o governo Reagan tentou botar abaixo regulações ambientais para aumentar a exploração comercial de terras públicas. E isso energizou o movimento ambiental. O problema é que naquela época a maioria dos americanos passava mais tempo ao ar livre; eles sabiam o que estava em jogo.

Agora, infelizmente, as pessoas passam a maior parte do tempo online. As novas gerações não sabem o que é um parque natural. Não têm familiaridade com outras espécies, não caminham para observar pássaros, nunca viram lobos... Se você não tem nenhuma conexão com o mundo natural, é muito mais difícil energizar a população.

Em uma entrevista para o “Guardian”, em 2010, você disse que havia chegado ao fim da sua “carreira produtiva”. Oito anos depois, acha que se enganou?

Evidentemente, sim (risos) . De alguma forma, consegui achar mais coisas divertidas para fazer. É sempre o fim do mundo para os escritores, sabe... E o título da minha nova coletânea de ensaios, que sairá em novembro, é “The end of the end of the world” (“O fim do fim do mundo”, em tradução livre), porque o mundo está sempre acabando e de alguma forma você consegue chegar à manhã seguinte, achar algo para escrever ou...

Quer dizer, você está matando o planeta e ainda assim levanta na manhã seguinte, os pássaros estão cantando e o planeta continua lá. Dou sempre tudo que tenho em cada um dos meus romances. E, ao fim de cada processo, quando o livro é publicado, eu sinto que não sobrou nada, que fiz tudo que podia.

E, no entanto, sempre sobra um pouco para mais um livro.

É meio que um refrão: todo dia chego no escritório e digo à minha companheira, Katy ( a também escritora Kathryn Chetkovich ) que não tenho mais nada. Quando dei essa entrevista em 2010, provavelmente estava me sentindo desse jeito. E, ainda assim, a vida continuou e, graças a Deus, tinha sobrado algo para um novo romance depois daquele.

Como vê o Brasil no cenário da observação de pássaros, atividade que você ama?

“Continuo me sentindo mal sobre essa viagem. Tive o pior evento público da minha carreira no festival de lá (na mesa da Flip). Em parte foi culpa minha. Tinha acordado às 5h da manhã, estava cansado. Acho que também pesou a tradução simultânea”

Jonathan Franzen
Escritor

Tragicamente, fiz pouco birdwatching (observação de pássaros) no Brasil. Só uma vez, em Paraty ( onde o autor esteve em 2012, para participar da Flip ).

Quero falar mais sobre Paraty, mas antes queria dizer que estou preparando não apenas uma, mas duas viagens ao Brasil. Uma ano que vem e a outra em 2020. Porque é um país enorme.

Há uma competição acirrada entre Brasil, Peru e Colômbia, para ver qual tem mais espécies de pássaros. E os ornitólogos brasileiros levam isso muito a sério. Eles trabalham pesado achando pássaros raros em suas fronteiras. Vocês têm a maior lista de aves de todo mundo. O que é engraçado. E também verdadeiro

Mas o que você queria dizer sobre Paraty?

Eu continuo me sentindo mal sobre essa viagem. Tive o pior evento público da minha carreira no festival de lá ( em sua mesa na Flip ). Em parte foi culpa minha. Tinha acordado às 5h da manhã, estava cansado, não estava no meu melhor.

Acho que também pesou a tradução simultânea. Pessoas que não usaram os fones de tradução estavam rindo, e as que usaram ficaram me encarando raivosamente. Acho que teve um confusão aí ( risos ).

E, aparentemente, fui criticado por descrever a língua em que meus livros são publicados no Brasil como “brasileiro”, em vez de português. Como se eu não soubesse que brasileiros falam português: “Uau, que americano estúpido”.

Machucou?

Acho que foi um tanto maldoso. Sou conhecido por muitas coisas, nem todas boas, mas não acho que alguém me veja como estúpido. Eu, na verdade, estava tentando ser culturalmente sensível, reconhecendo que o português brasileiro é tão único que precisa de uma tradução separada da lusitana.

Eu deveria ter dito “português brasileiro”, mas tinha levantado cedo para observar pássaros, então minha única oportunidade de ter uma boa experiência com o público leitor brasileiro foi um desastre.

Todos esperamos que você tenha novas oportunidades...

Eu terei.

“Serrote #28”. Editora: IMS. Páginas: 224 páginas. Preço: R$ 48,50