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Jorge Amado ganha biografia que narra sua trajetória de operário das letras e da política

Livro foi escrito pela jornalista e ex-curadora da Flip Joselia Aguiar
O escritor baiano Jorge Amado Foto: Arquivo
O escritor baiano Jorge Amado Foto: Arquivo

RIO — Em 88 anos de vida, Jorge Amado (1912-2001) escreveu mais de 40 livros, tornando-se o escritor mais popular do Brasil em sua época. Atuou ainda como jornalista e político, militando por anos no Partido Comunista Brasileiro. Viu desde a ascensão de regimes autoritários pelo mundo, nos anos 1930, até a abertura democrática brasileira na década de 80. Narrar a prolífica vida desse autor, que se confunde com a própria história da literatura e da política do Brasil, é o desafio que a jornalista e ex-curadora da Flip Joselia Aguiar assume no livro “Jorge Amado: uma biografia” (Todavia).

— Como se diz na Bahia, ele era um homem “avexado”, que trabalhava muito. A imagem dele é muitas vezes ligada a essa coisa contemplativa, à preguiça baiana. Dorival Caymmi, que era muito amigo dele, brincava com isso. Mas não: Jorge acordava às 4 horas da manhã, e quando não estava ocupado com livros estava escrevendo cartas ou participando de reuniões políticas — diz Joselia.

Entre dezenas de entrevistas, consultas a arquivos e cartas trocadas pelo autor com nomes como Erico Verissimo, Otto Lara Resende e José Olimpyo, a extensa pesquisa da autora durou sete anos — e rendeu descobertas.

Uma delas é o livro “Rui Barbosa nº 2”, que ainda não havia sido consultado por pesquisadores e estava guardado na Fundação Jorge Amado. Escrito pelo baiano em 1930, teria sido seu segundo romance publicado, mas acabou descartado pelo autor.

—Ele achou que o livro não acrescentava nada ao que já tinha escrito, e passou na sequência para o “Cacau e suor”. O interessante é que nessa obra, que ele supostamente havia jogado no lixo, existe um personagem chamado Archanjo. É o mesmo que vai aparecer, em 1969, no “Tenda dos Milagres”, como Pedro Archanjo.

Joselia Aguiar, autora de 'Jorge Amado: uma biografia' e ex-curadora da Flip Foto: Ana Paula Paiva / Agência O Globo
Joselia Aguiar, autora de 'Jorge Amado: uma biografia' e ex-curadora da Flip Foto: Ana Paula Paiva / Agência O Globo

Uma das questões centrais que acompanharam a autora no processo de elaboração do livro é a origem da grande popularidade alcançada por Amado. Segundo a biógrafa, o escritor teve seu grande momento literário com o lançamento de “Gabriela cravo e canela”, em 1958. O livro entrou para a lista de best-sellers do “New York Times”. No entanto, devido à sua forte inserção na cena da esquerda internacional, parte da crítica atribuiu sua popularidade às ligações com o comunismo.

— Achar que ele se tornou tão traduzido pela ligação com o partido é uma grande simplificação. Ele nasceu numa região cuja grande riqueza é um produto de exportação: o cacau. Na cabeça dele era óbvio que o seu produto, o livro, tinha que ser exportado. Ele tem essa dimensão internacional desde cedo.

Presença no Modernismo

Segundo Joselia, a aposta em narrativas centradas na afro-baianidade, fugindo do olhar eurocêntrico, seria uma das explicações para a admiração no exterior. Ela lembra ainda que Jorge era muito lido no Brasil, com lançamentos chegando a tiragens de 100 mil exemplares. As conhecidas adaptações para o cinema, TV e teatro, como “Dona Flor e seus dois maridos” e “Gabriela”, impulsionaram ainda mais sua obra, consolidando sua imagem de grande voz literária da Bahia.

Outra surpresa que a escritora revela é a presença do autor na cena do modernismo. Muito próximo a Oswald de Andrade, Jorge acabou se desentendendo com Mário de Andrade.

— Ele reclamava de iniciativas culturais que tinham dinheiro do Estado Novo, como um número especial dedicado a Portinari da “Revista Acadêmica”. Mário defendeu a publicação, e, depois disso, a coisa azedou. Nas trocas de cartas com amigos, Mário se referia a Jorge com alguém que não era mesmo bem quisto por ele. E Jorge passou a dizer que “Macunaíma” era o grande exemplo do artificialismo modernista.

Capa da biografia de Jorge Amado Foto: Divulgação
Capa da biografia de Jorge Amado Foto: Divulgação

Por outro lado, ela destaca que mesmo com suas firmes posições políticas, Jorge mantinha um perfil conciliador. Com Erico Verissimo, por exemplo, o baiano manteve uma relação de admiração e diálogo duradouro, mesmo estando no espectro político oposto do autor de “Olhai os lírios do campo” — o gaúcho era liberal.

— Ele viveu situações de ditaduras e totalitarismos tanto no Brasil como no exterior. E passa a ser uma pessoa que, de fato, deseja a democracia, uma pessoa que o tempo todo está na luta antifascista. Ele dizia que “socialismo sem democracia é ditadura, e nenhuma presta, nem de direita, nem de esquerda, a mesma merda”.

SERVIÇO

“Jorge Amado, uma biografia”

Autora: Joselia Aguiar.

Editora: Todavia.

Páginas: 640.

Preço: R$ 79,90.

TRECHO DO LIVRO

À imprensa, Jorge imprimia seu estilo em meio às respostas sobre coisas sérias. “Não tenho paciência com quem se dá muita importância”. A sua divisa? “Viver ardentemente”. Qual história pensa em escrever? “Uma história de amor”. Quando lhe perguntavam por que se tornou o romancista mais lido do país, dizia que, ao chegar à maturidade, achava que seriam trinta na mesma situação que ele. No humor dos amigos ouvidos, a intimidade pode falar mal à baiana como gesto de amor. Carybé o descreveu, de chofre: “É uma pessoa ruim... Rouba o sapo do jardim dos outros só para fazer pirraça”.

(...) Calasans ria da confusão que Jorge causava nos portugueses, ainda mais rígidos que os brasileiros, por não diferenciar amigos de esquerda ou de direita. “Uma vez almoçou com Álvaro Salema, de esquerda, e à noite jantou com Forjaz Trigueiro, de direita. Foi um susto”, ria o pintor e concluía: “É o sentido mais grandioso da democracia”.