RIO — A Academia Sueca anunciou nesta quinta-feira o escritor nipo-britânico Kazuo Ishiguro como o ganhador do Nobel de Literatura de 2017. Segundo o anúncio, feito nesta quinta-feira, às 8h (horário de Brasília), Ishiguro recebe o prêmio por "seus romances de grande força emocional, que reveleram o abismo sob nossa sensação ilusória de conexão com o mundo". É o 29º autor de língua inglesa laureado pelo Nobel em toda a história da premiação.
Nascido no Japão, mas radicado na Inglaterra desde os 6 anos de idade, Ishiguro teve recentemente relançado no Brasil o romance "Não me abandone jamais", ficção científica publicada pela Companhia das Letras em 2005 e adaptada para o cinema pelo cineasta inglês Mark Romanek. Finalista do Man Booker Prize, a narrativa acompanha três clones humanos produzidos para doar órgãos. A partir de um triângulo amoroso, fala sobre memória, tempo e desilusão, temas recorrentes em sua obra.
Sua obra mais conhecida no mundo, porém, é "Vestígios do dia", que venceu o Booker Prize e também virou filme, dirigido por James Ivory e estrelado por Anthony Hopkins e Emma Thompson, em 1993. Escrito em apenas quatro semanas, o livro traz as memórias de um velho mordomo, que relembra os anos de trabalhos dedicados a seu patrão, um aristocrata inglês. Refletindo sobre o papel dos mordomos na história britânica, Ishiguro faz uma crônica de costumes que reflete sobre lealdade, sacrifício e felicidade perdida. Veja abaixo as principais obras de Ishiguro.
Em seu primeiro romance em dez anos, publicado pela Companhia das Letras no Brasil, o autor envereda pelo mundo da fantasia para abordar temas universais como o amor, a guerra e a memória.
'Não me abandone jamais' (2005)
Também publicada pela Companhia das Letras, a obra rendeu a Ishiguro uma indicação ao Man Booker Prize em 2005. Em "Não me abandone jamais", o autor fala sobre perda e solidão num universo de ficção científica, com personagens clones criados para doar órgãos.
'Quando éramos órfãos' (2000)
O livro marcou a volta de Ishiguro à ficção, depois de um silêncio de cinco anos. O romance conta a história do detetive Christopher Banks, que retorna a Xangai, sua terra natal, onde os pais desapareceram misteriosamente 20 anos antes. Também saiu no Brasil pela Companhia das Letras.
'Os vestígios do dia' (1989)
Vencedor do Booker Prize em 1989, virou filme com Anthony Hopkins e Emma Thompson, dirigidos por James Ivory. Ele conta a história do mordomo Stevens. Já próximo da velhice, ele rememora os 30 anos dedicados à casa de um nobre britânico, depois ocupada por um milionário americano. Foi traduzida como "Os resíduos do dia", mudou de nome depois.
'Uma pálida visão dos montes' (1982)
Em seu primeiro romance, o autor conta a vida de uma sobrevivente da tragédia nuclear de Nagasaki. O livro foi traduzido para mais de dez países, e publicado no Brasil pela editora Rocco.
Por causa de sua origem japonesa e criação inglesa, Ishiguro cresceu sob a influência das duas culturas. Licenciou-se pela Universidade de Kent em 1978 e obteve um mestrado em escrita criativa pela Universidade de East Anglia em 1980. Um de seus desejos, disse ele certa vez, é ser conhecido como um "escritor de romances internacionais".
"Como escritor, eu sinto muita liberdade, lanço mão do que estiver ao meu alcance", afirmou ele,
em entrevista
ao GLOBO em 2015, na qual ele também falou sobre a relação peculiar de seus livros com a questão da memória.
"Sociedades muitas vezes precisam esquecer de coisas para continuar seguindo em frente", explicou. "Especialmente se um país passa por um período traumático como uma guerra, conflito civil ou ditadura. Não estou dizendo que as pessoas devam esquecer ou se lembrar das coisas necessariamente. Essa é uma questão muito mais complicada, mas existe um movimento no sentido de se omitir para poder sobreviver".
"Trocando em miúdos, se você juntar Jane Austen e Franz Kafka, terá Kazuo Ishiguro, mas teria que adicionar também um pouco de Marcel Proust nessa mistura", disse Sara Danius, Secretária Permanente da Academia Sueca, em entrevista coletiva logo após o anúncio do prêmio. "Ao mesmo tempo, ele é um escritor de grande integridade, que desenvolve uma estética só sua".
Perguntada sobre a relação de Ishiguro com o tumultuado mundo atual, Sara Danius disse que o autor se interessa em entender o passado. "Mas ele não é um escritor proustiano, não pretende redimir o passado, e sim em explorar o que é preciso esquecer para sobreviver, como indivíduo e como sociedade".
Diferentemente de 2016, quando
consagrou o cantor e compositor Bob Dylan
, a Academia Sueca fez neste ano uma escolha consensual, confirmando os boatos de que iria premiar um autor mais canônico.
A Companhia das Letras, que publica as obras de Ishiguro no Brasil, irá reimprimir "Quando éramos órfãos" e "Noturnos" com novas capar e novo projeto gráfico.
Em 1901, no ano de estreia do
Prêmio Nobel
, a escolha do poeta francês Sully Prudhomme em detrimento de Liev Tolstói provocou um escândalo. Um grupo de artistas suecos chegou a escrever para o russo lamentando a decisão da Academia Sueca.
Marcel Proust
Escrever uma das obras literárias mais importantes do século XX, "Em busca do tempo perdido", não foi suficiente para que Proust ganhasse o Prêmio Nobel. Um dos motivos seria o fato do autor abordar temas polêmicos na época.
James Joyce
Grande influência de futuros vencedores, como Samuel Beckett e Saul Bellow, o autor de "Ulysses", "Finnegans Wake" e "Dublinenses" sequer foi indicado ao Nobel, apesar do impacto dos seus trabalhos na literatura moderna.
Virginia Woolf
Só treze mulheres ganharam o Nobel e a escritora e ensaísta britânica Virginia Woolf, autora de "Orlando" e "Mrs. Dalloway", não foi uma delas. A primeira mulher a ser agraciada foi a autora sueca Selma Lagerlöf em 1909.
Jorge Luis Borges
As polêmicas posições políticas do escritor argentino em apoio a ditadores na América Latina e na Europa o afastaram do prêmio. Borges costumava dizer, em tom irônico, que "esse pessoal em Estocolmo acha que já me deu um Nobel".
O poeta francês foi indicado Nobel 12 vezes entre 1930 e 1945, quando finalmente a Academia Sueca decidiu escolhê-lo. No entanto, Valéry morreu em julho e o prêmio foi para a poeta chilena Gabriela Mistral.
Vladimir Nabokov
Indicado ao prêmio em 1974, o autor russo-americano conhecido por seu romance "Lolita", de 1955, perdeu para uma dupla de escritores suecos que, na época, fazia parte do comitê do Nobel.
Chinua Achebe
Um dos principais escritores da África, o autor nigeriano morreu em 2013 sem receber a láurea. Apenas quatro africanos receberam o prêmio, entre eles o seu conterrâneo Wole Soyinka, em 1986.