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Larry Rohter apresenta o Marechal Rondon a estrangeiros e brasileiros em nova biografia

Para jornalista americano, o 'Marechal da paz' deve estar no panteão dos grandes exploradores
Rondon visita aldeia indígena Foto: Museu do Índio/Funai
Rondon visita aldeia indígena Foto: Museu do Índio/Funai

Quando Larry Rohter conheceu a Amazônia, em 1977, o repórter americano enfrentou uma dificuldade básica: ir de um ponto a outro. As chuvas, a selva, o calor e os mosquitos transformavam qualquer deslocamento em decatlo.

Descobriu que o estado em que estava, Rondônia, tinha sido explorado no início do século XX por Cândido Rondon (1865-1958) — cuja existência ignorava e passou a admirar na hora.

— Conforme avançava no interior, imaginava Rondon passando por ali, as dificuldades que havia enfrentado — diz Larry, 69 anos, em português perfeito com forte sotaque anglófono. — Surgiu ali a ideia de fazer uma biografia desse personagem incrível.

Com quase 600 páginas, “Rondon: Uma biografia” (Objetiva) é um percurso completo pela trajetória do engenheiro militar, sertanista e cientista que nasceu no interior do Mato Grosso e ao morrer, aos 93 anos, era saudado como o Marechal da Paz, símbolo de defesa dos valores nacionais e da causa indígena.

A seguir, um resumo da conversa por telefone, em que Rohter, de Nova York, falou de seu biografado que, ele diz, o mundo precisa conhecer.

Qual era seu objetivo ao fazer a biografia de Rondon?

Com a edição em inglês, eu quero apresentar a grandeza de Rondon aos estrangeiros, para que ele possa entrar no panteão dos grandes exploradores. Mas também quero que os brasileiros recordem que ele não é só nome de avenida ou escola , mas um grande herói. Não era perfeito: às vezes era muito severo com seus seguidores e um pouco ingênuo com as promessas do Estado brasileiro para os índios e o meio ambiente. Mas, puxa, as façanhas dele são impressionantes.

O que mais o impressionou?

No nível humano, a determinação de um cara que nasce no meio do nada, adquire todos os conhecimentos possíveis, aprende línguas e se torna uma figura histórica. Além dos feitos famosos, claro, como a expedição com o [ex-presidente americano] Theodore Roosevelt em 1914 por onde hoje é Rondônia , a instalação de milhares de quilômetros de telégrafo ao longo da Amazônia. Lembrando que ele desbravou a região sem dar um tiro, seguindo à risca o lema “morrer, se preciso for; matar, nunca”.

E teve vida longa, 93 anos.

Sim. Após deixar a exploração ele seguiu influente por mais três décadas. Agiu para que o Brasil não entrasse na Segunda Guerra ao lado dos nazistas, criou Dia e o Museu do Índio. Ele foi, aliás, o maior doador de itens para o Museu Nacional. Um acervo que, temo, tenha se perdido com o incêndio [em 2 de setembro de 2018] .

Por que você acha que Rondon não é conhecido no exterior?

Preconceito. Mesmo que o próprio Roosevelt reconhecesse o seu valor como homem, comandante, explorador, a mensagem não chegava — e em todos os livros sobre Roosevelt, Rondon é um mero coadjuvante. A ideia de um indígena cientista, oficial militar, com capacidade intelectual e moral, era difícil de ser aceita na Europa e nos Estados Unidos. Nas correspondências entre acadêmicos estrangeiros você vê que o racismo, inclusive com justificativas científicas, estava muito implantado na visão de gente como [o explorador inglês] Percy Fawcett.

Seu retrato de Fawcett no livro não é lá muito simpático.

Para mim é uma piada a exaltação de Fawcett como grande explorador, inspiração para Indiana Jones. Quando você olha a carreira dele, o que se vê é uma mistura de arrogância e amadorismo. Na última expedição amazônica dele , não aceitou os conselhos de Rondon. Brigou com outros colaboradores brasileiros e acabou desaparecendo na selva em busca de uma cidade perdida. O livro sobre ele [“A cidade perdida de Z”, de David Grann] é bom, o filme é péssimo. Rondon nem aparece. Bom pra ele.

Qual o legado de Rondon?

A ditadura militar promoveu uma visão nacionalista de Rondon, um defensor das nossas fronteiras. Hoje, volta a ter mais força a visão humanista, que o vê como um defensor dos direitos indígenas, do ambientalismo, da tolerância, um precursor do multiculturalismo.