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Leonardo Fróes faz pausa na reclusão para falar sobre poesia e tradução no Rio

Morando no campo há mais de 40 anos, poeta não tem celular e só escreve à mão
Leonardo Fróes no Centro do Rio: visitante intermitente Foto: Fernando Lemos / Agência O Globo
Leonardo Fróes no Centro do Rio: visitante intermitente Foto: Fernando Lemos / Agência O Globo

RIO — Uma hora e meia é o tempo de viagem de seu sítio em Secretário, área rural de Petrópolis, até o Centro do Rio. O ônibus deixa Leonardo Fróes no Terminal Menezes Côrtes, no coração de uma das regiões mais caras ao poeta. Aqui, rua São José, ficam os bares onde ele costuma encontrar os amigos “urbanos”, além de um de seus restaurantes favoritos, a Casa Urich.

Morando no campo há mais de 40 anos, famoso por cantar o corpo a corpo com a natureza em livros como “Sibilitz” (1981) e “Argumentos invisíveis” (1995), Fróes tem uma relação muito mais próxima com a cidade do que se pensa. Não que o rótulo de “autor ecológico”, que lhe colou desde que deixou o Rio no início da década de 1970, seja enganoso: o poeta é mesmo um ser do mato, amante do seu silêncio e de suas sensações. Mas, em décadas de reclusão, nunca deixou de voltar às ruas onde cresceu e viveu parte da vida adulta. Embora cada vez mais espaçadas nos últimos anos, suas visitas intermitentes ao Rio são feitas com grande prazer. Nesta terça-feira, estará na Casa do Saber, às 19h30m, para o curso “Entre a poesia e a tradução”, em que trocará impressões sobre sua vida e obra com o filósofo José Thomaz Brum.

— Não tenho nenhum ressentimento com a cidade — revela o poeta, aos 76 anos. — Pelo contrário: como vivo fora, venho aqui e só pego as coisas boas, não pego a penúria de quem vive o dia a dia. A única coisa que eu às vezes estranho são os preços. Cheguei aqui, e tudo é mais caro. Há pouco fui ao banheiro, e me cobraram R$ 4 por um xixi. Lá no sítio eu faço no mato.

Fróes chegou ao Rio ainda pequeno. Seu pai tinha um comércio em Itaperuna e resolveu trazê-lo para a cidade grande. Para o menino, a primeira impressão foi de deslumbre. Nos seus vinte e poucos anos, morou em Nova York, Paris e Berlim. De volta ao Rio, viveu a agitação profissional trabalhando como diretor de uma editora, até que cansou. Precisava de sossego para escrever sua poesia, mas como se manter sem salário? Foi então que tomou uma decisão drástica: o “exílio” no campo com Regina, a mulher de sua vida.

NÃO TEM CELULAR E SÓ ESCREVE À MÃO

Nos últimos 40 anos, em paralelo ao seu trabalho de tradução (verteu para o português autores como William Faulkner, André Maurois e Le Clézio), construiu toda uma obra em cima da sensualidade e emoção da natureza, além do “afastamento progressivo/ da comédia de erros da cidade”, como escreveu no livro “Chinês com sono” (2005). Com a primeira coletânea de poemas escrita no sítio de Secretário, “Esqueci de avisar que estou vivo” (1973), o poeta brincava, já no título, com a sua reclusão. Durante anos, ainda escreveu no “Jornal do Brasil” a coluna “Verde” — a primeira dedicada à ecologia no país. Todas as árvores do terreno onde mora foram plantadas por ele.

Leonardo Fróes em uma mesa da Casa Ulrich, restaurante da Rua São José Foto: Fernando Lemos / Agência O Globo
Leonardo Fróes em uma mesa da Casa Ulrich, restaurante da Rua São José Foto: Fernando Lemos / Agência O Globo

A relação afetiva de Fróes com o Rio é toda no Centro, justamente uma das partes mais movimentadas da cidade. Quem conhece a forma como o autor opõe vida rural e urbana tem dificuldade de imaginá-lo assim tão à vontade em meio ao burburinho. Basta lembrar dos versos do poema “Compromisso no centro”, em que os transeuntes são “esferas que rolam”, “pacotes moventes”, com “semblantes hostis, desconfiados”. No “ir e vir alucinado” das ruas, anda-se “juntos assim mas tão distantes”.

— Quando você não está acostumado com o campo, você estranha o silêncio, não é? Comigo acontece a mesma coisa na cidade: chego aqui e é claro que estranho o barulho, o movimento — diz o poeta, que não tem celular, escreve seus versos à mão e só acessa a internet para ver e-mails. — Mas não me sinto mal, caminho olhando para os lados, um pouco deslumbrado. As pessoas vivem me parando para pedir informação. Como nunca estou com pressa, acho que pareço acessível.

O poeta Alberto Pucheu é um dos amigos que Fróes costuma encontrar nos bares do Centro. Pucheu ressalta que o companheiro está longe de ser um homem “exclusivamente do campo”.

— Temos de tomar cuidado para não criar, no caso dele, uma dicotomia entre cidade e natureza numa visão que poderia retomar um passadismo do idílico natural ou, por outro lado, se colocar, às avessas, como urbanocêntrica — diz Pucheu. — E, com tudo isso, ainda há muito para ser pensado no vínculo de sua poesia com a natureza, e com muitas outras questões.

Depois de um relativo sumiço, a poesia de Fróes voltou à moda nos últimos anos, recuperada especialmente pelas gerações mais novas. Com a antologia “Trilha: poemas 1968-2015” (Azougue), ele foi ovacionado na Festa Literária de Paraty do ano passado. Tanto que deverá participar, no próximo dia 8 de outubro, da Flipside — a Flip inglesa, que acontece em Snape Maltings, no Reino Unido. Paradoxalmente, o reconhecimento de sua obra rural deverá levá-lo cada vez mais para eventos na cidade grande. Mas o seu lugar continuará sendo para sempre no verde, garante.

— Vejo os casais de amigos do tempo em que eu morava no Rio, estão todos separados — conta. — Eu digo à Regina, com quem sou casado há tantas décadas, que nunca teremos esse problema porque lá no mato nós não temos concorrência.

SERVIÇO

Curso “Entre a poesia e a tradução”

Onde : Casa do Saber (2227-2237) — Av. Afrânio de Melo Franco 290/ cj. 101 — Shopping Leblon. Quando : Nesta terça-feira, de 19h30m às 20h30m. Quanto : R$ 100 (vendas pelo telefone 2227-2237).