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Livro de Leïla Slimani acompanha uma ninfomaníaca entre prazeres fortuitos e culpa permanente

'No jardim do ogro' reforça que há muito mais armadilhas entre o céu e a cama do que supõe nosso divã semanal
A escritora Leïla Slimani Foto: Fernando Eichenberg / Agência O Globo
A escritora Leïla Slimani Foto: Fernando Eichenberg / Agência O Globo

Sexo vai muito além de braços que se abraçam e bocas que murmuram. Sabe disso a Adèle, protagonista de “No jardim do ogro”, primeiro romance da franco-marroquina Leïla Slimani, de 2014. Para Adèle, sexo é tudo e mais alguma coisa. Num mundo tão falocêntrico, ela reforça o óbvio silenciado: mulheres também gostam de sexo — e como. Quando o desejo bate, ela não se segura. Só que ela é casada.

O insosso Richard é um cirurgião de primeira linha e doido por ela, uma bem-sucedida jornalista. Eles têm um filho fofo e moram confortavelmente em Paris. O que poderia ser uma vida ideal não mais a seduz. Daí suas seguidas escapadas. Richard nem desconfia.

Se o problema dela fosse só sexo, tudo bem. Mas, ao ver-se saturada de relações vazias às escondidas, Adèle se divide entre prazeres fortuitos e culpa permanente. E quando a culpa assume o lugar do prazer, o melhor a fazer é não flertar com a loucura — algo que chega bem perto da nossa ninfomaníaca.

A certa altura, ela acaba se envolvendo demais com um amigo do marido. Richard descobre o rolo e compra uma casa longe de Paris, onde pretender reerguer a pequena família. Largar o emprego e a cidade não será fácil para a jornalista, mas pode ser uma solução para o casal.

Conseguirá Adèle sossegar sua libido? Não será a revolucionária Adèle apenas uma libertina de butique, aturdida pela moral de que pensa estar fugindo? Fugir não é tão simples.

Desejo feminino

“No jardim do ogro” reforça que há muito mais armadilhas entre o céu e a cama do que supõe nosso divã semanal. Não é fácil enquadrar o gosto pelo sexo desenfreado — tudo vai pela ótica de quem vê o espetáculo. E assim Leïla provoca o leitor: quem tem razão nessa barafunda? Alguém precisa ter razão?

Outro ponto positivo do livro é retratar o desejo feminino sem a mediação masculina. Muitos homens escreveram sobre mulheres de práticas pouco ortodoxas em relação a casamento, fidelidade e paixões. Já deu.

Agora é a vez das sucessoras de Simone de Beauvoir e Erika Jong, entre outras tantas, manifestarem-se sem freios — embora algumas críticas digam que a história de Leïla Slimani às vezes ganha um viés machista, como quando Adèle se deixa abusar por alguns ogros. Deixa, sim. Mas o detalhe é: trata-se de um desejo da própria protagonista.

Deixemos de lado as morais. Aos 37 anos, Leïla conta histórias, não dita regras. <SW,16>Uma aguerrida porta-voz dos direitos femininos e da diversidade, <SW>ela largou o jornalismo justamente porque queria escrever com liberdade. E deu-se bem.

“No jardim dos ogros” foi publicado dois anos antes de “Canção de ninar”, romance baseado em fatos sinistros que recebeu o principal prêmio de literatura francesa e acaba de ter os direitos vendidos para o cinema.

“No jardim do ogro” Autora: Leïla Slimani. Editora: Tusquets Tradução: Gisela Bergonzoni Páginas: 192 Preço: R$ 46,90 Cotação: bom