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Livro de memórias narra incrível história de escritora criada por abelhas

Premiada jornalista americana Meredith May relembra infância traumática em obra autobiográfica que chega ao Brasil
A escritora e apicultora americana Meredith May Foto: Matthew May / Divulgação
A escritora e apicultora americana Meredith May Foto: Matthew May / Divulgação

Os pais da jornalista americana Meredith May se divorciaram quando ela tinha cinco anos. Com a separação, a autora, seu irmão caçula e sua mãe, que entrou numa crise de depressão alastrada por anos, se mudaram da Costa Leste dos EUA para a Califórnia, do outro lado do país. Lá, eles passaram a viver sob os cuidados dos avós maternos. Sem saber o que havia acontecido, Meredith encontrou conforto num velho ônibus que o avô usava para criar abelhas. A história dessa infância pouco comum é narrada no livro de memórias “Filha das abelhas”, que a editora Harper Collins Brasil acaba de publicar no Brasil.

— Desde muito pequena eu percebi que minha família era diferente. Apenas em 2011, quando eu voltei a segurar as abelhas em minhas mãos, foi que eu senti uma descarga emocional poderosa e notei um estranho sentimento de calma e segurança ao redor desses insetos pungentes. E pude finalmente ver que fui resgatada de um lar despedaçado de uma maneira única e bonita graças às lições de apicultura de meu avô — conta Meredith, por e-mail.

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Enquanto se adaptava à rigidez e à frieza da avó, que não sabia como cuidar de uma filha deprimida, Meredith se interessou pela paixão de seu avô pela natureza e pela produção de mel que ocorria no quintal de sua casa.

— Minha história é o equivalente de não ficção de um romance de formação. Acredito na vulnerabilidade de uma obra de memórias, que a narrativa precisa de intimidade para criar uma relação com o leitor. Meu editor até me incentivou a revelar mais, porque minha carreira no jornalismo me treinou para nunca expressar minhas opiniões pessoais — revela.

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Recentemente, Meredith, que espantou seus colegas de redação quando passou a criar abelhas no terraço do jornal “San Francisco Chronicle”, publicou em sua conta no Twitter: “Todos podemos aprender a ser melhores uns com os outros ao estudar a benevolência de uma colmeia.”

— Uma colônia de abelhas é o exato oposto de uma família disfuncional. Abelhas são famosas por colocar ordem no caos. Um colmeia opera ao redor do princípio da generosidade. Abelhas dividem as tarefas e contribuem para manter uma sociedade democrática e amorosa. Famílias e governos saudáveis também operam assim — compara.

Segredos íntimos

A jornalista, que se define como “escritora e apicultora”, teve apoio dos parentes para esmiuçar e divulgar seus traumas pessoais.

— Meu irmão, Matthew, e meu pai me deram entrevistas. E ambos leram o manuscrito antes da publicação do livro. Apesar de ser doloroso para meu pai, ele disse que eu capturei nossa dinâmica familiar de maneira correta. Já meu irmão, que é uma pessoa muito reservada, ficou um pouco incomodado, mas ele se abriu sobre sua reação emocional às memórias de nossa infância.

Capa do livro 'Filha das abelhas', de Meredith May Foto: Divulgação
Capa do livro 'Filha das abelhas', de Meredith May Foto: Divulgação

De acordo com a autora, o divórcio e a alienação de seus pais afetaram muito a sua formação como adulta:

— A separação moldou nossas personalidades. Fomos inseridos numa guerra e forçados a escolher um lado. Nosso avô foi o único adulto que nos amou incondicionalmente, e seus ensinamentos sobre abelhas nos deram um santuário. Só percebi que mantinha um padrão de ter namoradas distantes e frias após fazer terapia.

Uma grande preocupação de Meredith é o uso exagerado de agrotóxicos, que afetam as colônias de abelhas, estruturas essenciais para a polinização.

— Sprays químicos para erradicar pestes estão voltando para nos assombrar. As abelhas acabam forçadas a se alimentar em plantas tóxicas, o que afeta sua capacidade de navegar de volta para casa. Nossa dependência em produtos químicos para lucro financeiro pode ser nosso pior erro, levando à perda de polinizadores que são responsáveis em criar nossa comida.

Obituarista

Vencedora do prêmio PEN USA de jornalismo e finalista do Pulitzer, a autora ainda relembra seu primeiro trabalho de repórter como o mais importante de sua carreira.

— Ao sair da faculdade, minha tarefa era escrever obituários. Isso foi antes do e-mail, então os familiares iam à redação para dar detalhes sobre seus parentes. Nunca esquecerei um velho caubói, Remy, que veio tremendo e chorando para me contar sobre sua mulher. Ali eu tive uma introdução imediata à imensa responsabilidade que jornalistas têm de relatar corretamente os fatos enquanto se mantêm humanos durante o processo — afirma Meredith, que tem apenas um conselho a jovens repórteres em tempos de democracias com governos que flertam com o autoritarismo. — Saiam de suas cadeiras e investiguem para manter os poderosos na linha e proteger os fracos. Sigam o dinheiro.

SERVIÇO

"Filha das abelhas"

Autora: Meredith May.

Tradutora: Isabella Pacheco.

Editora: Harper Collins Brasil.

Páginas: 272.

Preço: R$ 49.90.