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Mariana Enríquez, que participa da Flip, explora em novo livro a relação feminina com o rock

Em entrevista, escritora argentina diz que mercado editorial está mais aberto às mulheres
A escritora argentina Mariana Enríquez Foto: Leo Martins / Agência O Globo
A escritora argentina Mariana Enríquez Foto: Leo Martins / Agência O Globo

RIO - Conhecida por traçar uma Buenos Aires árida, cinzenta e brutal em seus livros, que trafegam por terror, ficção científica e fantasia, a escritora e jornalista argentina Mariana Enríquez , 46 anos, aposta em uma narrativa mais juvenil em seu novo romance, “Este é o mar” (Intrínseca), no qual conta a história de Helena, um ser místico que se alimenta da devoção de adolescentes por astros do rock. Na trama, aborda idolatria, solidão e a busca por pertencimento.

Convidada da Flip deste ano, Mariana — que venceu o prêmio Cidade de Barcelona pela coletânea de contos “As coisas que perdemos no fogo”, lançado em 2016 — estará neste domingo, às 10h30, em uma mesa ao lado do autor paraibano Braulio Tavares. A seguir, ela fala sobre a decadência do rock, a posição da mulher na literatura latina e o jornalismo hoje.

O ponto de partida de “Este é o mar”

“A primeira inspiração foi justamente o rock como algo em extinção. Queria escrever um texto que fosse juvenil vintage por um lado, sobre minha juventude, e também um resgate das mulheres no rock. A mulher sempre foi vista de maneira depreciativa nesse meio, fora do palco, como as fãs que gritam, histéricas. Creio que essa energia do rock, anarquista, criou uma imagem feminina caricata. Queria reivindicá-lo como um lugar das mulheres, um rito de passagem para as adolescentes.”

Influência do rock na sua literatura

“Eu trabalho como jornalista cultural, sempre respeitei muito o rock argentino. Mas as bandas que eu escutava eram estrangeiras. Eu me atraía bastante pela estética e pelo espetáculo. Gostava de gente como David Bowie, T-Rex e o punk dos anos 1970.”

Por que tratar de suicídio em seu livro

“O apelo do suicídio ocorre não somente na música, mas no ideal dos poetas também. Sylvia Plath, por exemplo. Uma vida intensa e breve é trágica, algo que conversa com os jovens. Há um certo prazer perverso em ver esse tipo sacrifício juvenil. Como se as sociedades precisassem dessa narrativa.”

A escritora argentina Mariana Enríquez em Paraty Foto: Leo Martins / Agência O Globo
A escritora argentina Mariana Enríquez em Paraty Foto: Leo Martins / Agência O Globo

A escolha de uma protagonista mulher

“Escrevi meus primeiros livros do ponto de vista dos homens, mas me custava muito escrever assim. Quando comecei a escrever do ponto de vista das mulheres, senti que elas eram mais verdadeiras, não estereotipadas, e foi um prazer explorar isso. Essa opção me abriu mil possibilidades. Foi uma decisão consciente literária, que terminou sendo política também.”

Hora das autoras no mercado editorial

“Publiquei meu primeiro romance em 1995, aos 22 anos. Naquele momento, na Argentina, eu estava quase sozinha. Era muito raro surgir uma jovem autora, mas agora há uma explosão de escritoras em toda a América Latina, construindo literaturas muito sólidas. Há uma mudança, o mercado está muito mais aberto às mulheres hoje. E isso tem a ver com o movimento feminista mundial também.”

Brasil e Argentina

“Nossas crises têm características diferentes. Os problemas fundamentais são de um sistema judicial totalmente cooptado pelo poder político. Muitos argentinos veem a ditadura como uma época próspera e mais ordenada, mas nenhum dos nossos políticos poderia falar sobre ditadura elogiando um torturador. Até a nossa direita considera que os crimes foram brutais e devem ser investigados e punidos. Nesse momento temos um presidente (Mauricio Macri) de direita e neoliberal. Não creio que seja a pessoa mais enfática contra a ditadura, mas jamais falaria isso publicamente. Seria um suicídio político.”

Literatura e a crise do jornalismo

“Na literatura há uma liberdade que me completa mais, que me deixa inteira. Já fazer jornalismo neste momento é algo muito complexo, tanto pela rapidez das notícias, com uma lógica de informação que mudou muito, quanto por nossa responsabilidade de comunicadores sociais com os leitores. Isso tudo em meio à precariedade da situação de nossa profissão é muito cansativo. O jornalismo vive um momento de transição, não sabemos para onde vamos. Mas tentamos fazer o melhor possível, apesar das circunstâncias.”