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Moda: como Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral usaram as roupas para criar o imaginário modernista

Com visual pensado nos mínimos detalhes, ela vestia Paul Poiret, célebre costureiro de Paris, e ele se isnpirava no visual esportivo
Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral a bordo de um navio Foto: Crédito: Fundo Oswald de Andrade / Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulálio
Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral a bordo de um navio Foto: Crédito: Fundo Oswald de Andrade / Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulálio

Nos anos 1920, a cultura brasileira foi tomada de assalto por um casal influente. Muito antes de existir o shipp (termo usado pelos jovens contemporâneos para torcer pela união de duas personalidades juntando os seus nomes em um só), Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral formaram o Tarsiwald — apelido que exalava frescor e vanguarda. Parte do fascínio por eles vinha de seus visuais pensados nos mínimos detalhes. Produtos da elite paulistana, ambos usaram a moda na elaboração sobre suas figuras e obras, fazendo de seu vestuário um desdobramento do imaginário do modernismo — movimento do qual foram protagonistas naquela década.

Natural, portanto, que a figurinista e professora de história do vestuário e da moda Carolina Casarin tenha partido dos dois garotos-propagandas do modernismo para contextualizar a moda daqueles tempos loucos. “O guarda-roupa modernista” (Companhia das Letras, 288 páginas, R$ 109,90) se apoia em registros da época — como cartas, retratos, autorretratos, textos literários e as poucas peças de roupas que sobraram — para refletir sobre as relações entre indumentária e imagem social. Sua pesquisa foca no período em que Oswald e Tarsila estiveram juntos, mas não se limita ao casal. Analisa a repercussão da moda em outros protagonistas do movimento, viaja por Europa e EUA em busca das origens do vestuário moderno. Abaixo, alguns dos principais pontos do livro.

O visual Tarsiwald

Tarsila e Oswald tinham estilos diferentes: ela abusava de criações de costureiros europeus, enquanto ele destoava da sisudez tradicional com camisas coloridas e informais. O autor de “O rei da vela” se aproximava do visual do businessman norte-americano, mais dinâmico que o britânico, combinando trajes sociais com as cada vez mais valorizadas roupas esportivas. Colarinho mole, terno sem colete, tecidos que amarrotavam menos e modelagens mais amplas eram algumas das características a serviço da vida agitada do homem de negócios.

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Tarsila, por outro lado, gostava de exuberância, luxo e ostentação. Nada a ver com o ideal feminino da Chanel ou da garçonne do pós-guerra (muito embora esta última, segundo Casarin, fosse tão idealizada que não se encaixava na realidade de quase nenhuma mulher de seu tempo). O responsável por criar a aparência da artista desde 1923 até o fim da década foi o costureiro francês Paul Poiret, cujos trajes caríssimos impressionavam no Brasil mas já eram considerados um tanto antiquados na França.

— Os signos de modernidade dos anos 1920 não necessariamente são encontrados no guarda-roupa da Tarsila — diz Casarin. — Mas é importante pontuar que sua aparência muda a partir do momento em que ela se interessa pela arte moderna. Tarsila já se interessava por moda, mas de outra maneira. É aí que ela procura Poiret e se torna esta mulher cada vez mais confortável em ser o centro das atenções.

Caipirinha por Poiret

A maison Poiret era tão importante para Tarsila que Oswald a insere na primeira estrofe de seu poema “Atelier”, de “Pau-Brasil”: “Caipirinha vestida por Poiret/ A preguiça paulista reside nos teus olhos/ Que não viram Paris nem Picadilly/ Nem as exclamações dos homens/ Em Sevilha/ À tua passagem entre brincos”. Poiret era sinônimo de autoconfiança, e os ajudava a serem aceitos por seus pares.

— A ideia de uma “caipirinha de Poiret” pode ter vários significados — diz Casarin. — Um deles é usar a alta costura estrangeira para legitimar a arte brasileira moderna. Olha essa caipirinha que vocês estão vendo, ela veste Poiret, tá?

Imagem de poder

Pensando em termos de grupo, o guarda-roupa modernista representou a construção de imagem de poder. Mas, embora Tarsila dissesse que “costumava lançar modas”, ainda não há pesquisas que mostrem outras mulheres da época tentando copiar seu estilo. A escritora também acredita que o Casal 20 do modernismo não chegou a ter uma preocupação em formar uma moda brasileira. Quem chegou mais próximo disso foi Mário de Andrade, o homem que cunhou o apelido Tarsiwald.

— Para ele, a busca pela identidade nacional passava pela aparência — diz Casarin. — Já para Oswald e Tarsila, o que estava em jogo na aparência era uma identidade moderna. Porém, vale lembrar que eles fizeram um uso antropofágico do vestido de casamento de Tarsila, ligando o vestido da mãe de Oswald com a costura de Poiret.