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Morre Toni Morrison, primeira negra a receber o Nobel de Literatura

Americana, autora de "Amada", morreu aos 88 anos
Americana abordou temas como arte, ancestralidade, política e feminismo Foto: Timothy Greenfield-Sanders
Americana abordou temas como arte, ancestralidade, política e feminismo Foto: Timothy Greenfield-Sanders

RIO — A premiada escritora americana Toni Morrison morreu aos 88 anos nesta segunda-feira (5), segundo anunciou seu editor, Alfred A. Knopf, numa rede social. A causa da morte ainda não foi informada. Morrison foi a primeira mulher negra a receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1993.

Sua obra ficou conhecida pelos relatos contundentes sobre a condição da mulher negra na sociedade americana. Nascida em 1931, em Ohio, a autora estreou como romancista em 1970 com "O olho mais azul". Seu romance mais recente, "Deus ajude essa criança" , foi publicado no Brasil em 2018.

Entre suas obras mais conhecidas estão "Sula" (1973), indicado ao National Book Award, um dos principais prêmios literários dos Estados Unidos; e "Amada" (1987), com o qual ganhou o Prêmio Pulitzer de ficção. A Academia Sueca premiou Morrison por seus romances "caracterizados por força visionária e e teor poético" que são "vida a um aspecto essencial da realidade americana". Ao todo, ela publicou 11 romances.

No Brasil, a obra de Morrison é publicada pela Companhia das Letras. A editora divulgou uma nota lamentando a perda da autora e lembrou de seu discurso ao receber o Nobel: "Nós morremos. Esse pode ser o significado da vida. Mas nós fazemos linguagem. Essa pode ser a medida de nossas vidas". A escritora veio ao Brasil em 2006 para participar da Festa Literária Internacional de Paraty.

Morrison costumava dizer que escreveu "O olho mais azul" porque o livro que ela queria ler ainda não existia. Em 1965, divorciada e com dois meninos para criar, ela começou a esboçar o romance enquanto editava autores negros, como a filósofa Angela Davis. Morrison se levantava de madrugada, antes que seus filhos acordassem, para escrever. Ela não contou para ninguém que estava trabalhando em um romance.

"O olho mais azul" conta a história de uma menina negra chamada Pecola que, assim como Morrison, cresceu em Lorain, uma cidadezinha industrial no Meio-Oeste americano, durante a Grande Depressão. Pecola sonhava ter olhos azuis, como os da atriz Shirley Temple.

Segundo John Leonard, crítico literário do jornal "The New York Times", "O olho mais azul", antecipou muitas das preocupações literárias de Morrison, como a relação das dores individuais de seus personagens como os contextos históricos em que viviam, o poder rendentor das comunidades e o papel das mulheres na sobreviência dessas comunidades.

Toni Morrison também atuou como professora universitária nos EUA Foto: PATRICK KOVARIK / AFP
Toni Morrison também atuou como professora universitária nos EUA Foto: PATRICK KOVARIK / AFP

A prosa melódica e sinuosa de Morrison, influenciada pela tradição oral afroamericana, descreve a experiência histórica dos negros americanos. Aliando lirismo e brutalidade, seus livros falam sobre as feridas das escravidão, alcoolismo, estupro, incesto, assassinato e cidadezinhas industrais habitadas por personagens que passam longe do estereótipo do afroamericano.

Celebrada por Oprah Winfrey e Barack Obama

Morrison deu aula em universidades americanas, como Princeton e Yale, editou antologias de autores negros, como James Baldwin, e escreveu livros infantis junto com seu filho, Slade. Em 1992, publicou um livro de crítica literária "Playing in the Dark: Whiteness and the Literary Imagination" ("Brincando no escuro: branquitude e imaginação literária"), no qual analisa o cânone literário americano, majoritariamente branco, sob a ótica de uma intelectual negra.

Ao longo de sua carreira, Morrison conciliou elogios da crítica com boas vendas. A apresentadora de TV Oprah Winfrey ajudou seus livros a frequentar a lista de mais vendidos do "New York Times". Quando estreou seu clube do livro, em 1996, Oprah sugeriu a leitura de "Song of Solomon" ("Canto de Salomão"), romance que Morrison publicara em 1977.

Quando indicou "O olho mais azul", em 2000, o livro vendeu 800 mil cópias. Entre 1996 e 2002, Oprah leu quatro romances de Morrison em seu clube o livro e ajudou a apresentar a escritora, que compareceu três vezes a seu programa vespertino, a um público mais amplo. As indicações de Oprah alavancaram mais as vendas dos livros de Morrison do que o Nobel.

Em 1998, Oprah coproduziu e estrelou uma adaptação cinematográfica de "Amada". O cineasta Jonathan Demme, de "O silêncio dos inocentes", assinou a direção do filme. "Amada" é assombrado pelo fantasma de uma criança morta pela própria mãe que queria salvá-la da escravidão. livros

A atuação política de Morrison não se limitava às tramas de seus romances. Em 1998, quando o presidente americano Bill Clinton era ameaçado de impeachment por conta de seu caso com a estagiária Monica Lewinsky, a escritora foi a público defendê-lo. Morrison chamou Clinton de "o primeiro presidente negro". Por ter crescido pobre no Sul dos Estados Unidos, Clinton teria tido uma experência de vida mais próxima a dos americanos negros do que qualquer presidente até então.

Em 2012 Toni Morisson recebeu a Medalha Presidencial da Liberdade de Barack Obama Foto: MANDEL NGAN / AFP
Em 2012 Toni Morisson recebeu a Medalha Presidencial da Liberdade de Barack Obama Foto: MANDEL NGAN / AFP

Em 2012, Morrison foi homenageada por Barack Obama com a Medalha da Liberdade. "A prosa de Toni Morrison nos apresenta um tipo de intensidade moral e emocional que poucos autores sequer tentam alcançar", disse Obama na cerimônia. "De 'Song of Solomon' a 'Amada', Toni nos toca profundamente, usando uma voz lírica, precisa e inclusiva".