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Nei Lopes explica critério para selecionar 100 negros notáveis do Brasil em livro

Paulo Cézar Caju e Marielle Franco estão na obra que foca no século XX; compositor faz ainda shows no Rio
O escritor Nei Lopes Foto: Jefferson Meganni / Divulgação
O escritor Nei Lopes Foto: Jefferson Meganni / Divulgação

RIO - Um desavisado que folhear as mais de 450 páginas do livro “Afro-Brasil reluzente — 100 personalidades notáveis do século XX” pode ter o impulso de pedir seu dinheiro de volta na livraria, alegando erro de fato e de direito no conteúdo: onde já se viu um compêndio dessa categoria excluir o nome de Nei Lopes, um dos mais importantes expoentes da cultura negra no país? A explicação está na capa: Nei é o autor da obra, que reúne perfis de uma centena de afrodescendentes brilhantes em suas áreas de atuação, e só ficou de fora porque seria cabotino incluir-se em sua própria lista. Mas esta reportagem, mui respeitosamente, fazendo jus à obra do escritor-compositor-pesquisador, determina que seu nome seja o 101º deste rol de notáveis — e revogam-se todas as disposições em contrário.

— O principal critério que usei para selecionar as 100 personalidades foi a história de vida, procurando aqueles que efetivamente superaram as dificuldades de ser negro no Brasil e se tornaram “visíveis”, pois esta é a maior questão que se coloca. Esse é o ponto em comum entre os personagens: a superação da invisibilidade, apesar de tudo. E fizeram isso de diversas formas, até com a “marra”, como é o caso do admirável Paulo Cézar Caju, que pouca gente teria coragem de escalar num time como o dos “reluzentes” — explica Nei Lopes.

A escalação do escrete realmente não foi tarefa fácil. O autor mesclou figuras de fama nacional, como Pelé, Dona Ivone Lara e Grande Otelo, a outras que merecem mais notoriedade, como Enedina Alves Marques, primeira negra a se graduar em Engenharia no país, em 1945. As escolhas atravessam todo o século, do capoeirista Mestre Bimba, nascido em 1900, à bailarina Ingrid Silva, de 1989, passando ainda pela escritora Conceição Evaristo, o cineasta Luiz Antonio Pilar, a jornalista Flávia Oliveira e a vereadora Marielle Franco.

— O que eu mais desejo é contribuir para o fortalecimento da autoestima dos meus iguais, sobretudo os jovens. Só assim poderemos alcançar representatividade e mudar o que está aí — diz Nei Lopes, que se comoveu enquanto escrevia as histórias. — Um dos mais emocionantes foi Carlinhos Sete Cordas, que conheço desde os 16 anos. O cara se tornou um virtuose, reconhecido nas altas rodas, a partir de um violão achado no lixo... É demais, não é? O saudoso Joel Rufino também é sempre lembrado com emoção. E a superação física do venerando Haroldo Costa me toca muito.

Num exercício de abstração e esgarçamento do tempo, Nei é provocado a imaginar como seria um livro semelhante daqui a cem anos, com os afro-notáveis do século XXI. As questões enfrentadas seriam muito diferentes?

— Primeiro, temos que ver se esses 100 anos vão acontecer... Será? — diz, devolvendo de bate-pronto a provocação. — Mas, hipoteticamente, o povo negro tem tudo para chegar lá empoderado, como no filme “Pantera Negra”. E aí eu recorro ao que era Hollywood em 1929, com “Hallelujah”, o primeiro filme de elenco totalmente negro por lá. Difícil imaginar que um dia teriam Barack Obama como presidente.

Shows no CCBB

Se a literatura tem ocupado parte da vida de Nei Lopes nos últimos tempos (em dez anos, foi vencedor de dois prêmios Jabuti), a música ainda tem espaço garantido na agenda do compositor de “Senhora liberdade” e “Coisa da antiga”. Neste fim de semana, ele faz dois shows no CCBB, ao lado de Ana Costa, encerrando uma série inspirada em seu já clássico livro “Guimbaustrilho e outros mistérios suburbanos”. As apresentações, com direção musical de Luís Filipe de Lima, resgatam causos e canções que têm o subúrbio como tema.

— Até aqui o subúrbio carioca só tem sido mostrado pelo viés caricato e pejorativo. O que nós pretendemos é mostrar esse ambiente alegre, inteligente e bem-humorado como a principal fonte da cultura da cidade — diz Nei Lopes, que acompanha com resignação as transformações dos bairros da Zona Norte. — Tudo muda, não é? Mas Vista Alegre, que eu conheci como uma estrada de areia branquinha, com chácaras, hortas e vacarias, ali entre Irajá, Brás de Pina, Vila da Penha e Cordovil, hoje sedia um dos maiores polos gastronômicos da cidade. E isso também inspira belas canções.

“Guimbaustrilho — O Rio sobre trilhos”

Com Nei Lopes e Ana Costa.

Teatro I do CCBB: Rua Primeiro de Março 66, Centro.

Sex e sáb, às 19h. R$ 30.

“Afro-Brasil reluzente — 100 personalidades notáveis do século XX”.

Autor: Nei Lopes.

Editora: Nova Fronteira.

Páginas: 456. Preço: R$ 59,90.