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Por Bolivar Torres


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Livro mais vendido na Inglaterra em 2021, “O clube do crime das quintas-feiras” (Intrínseca) tem assassinato e investigação, só que sem cenas de violência. Os detetives criados pelo autor Richard Osman não são policiais com distintivo no bolso, mas idosos amadores de um retiro para aposentados. Outro grande sucesso, com onze milhões de livros vendidos pelo mundo, a canadense Louise Penny apresenta em “Natureza-morta”, que sai este mês no Brasil, um inspetor pouco tradicional. Longe do perfil durão e cínico, seu Armand Ganache usa empatia e generosidade para resolver casos. Já o recém-lançado “Mistério em Windsor” (Record), de S. J. Bennett, vai ainda mais longe: a investigadora acidental é ninguém menos do que Elizabeth II, a Rainha da Inglaterra. E no best-seller que marca a estreia literária de Nita Prose, “A camareira” (Intrínseca), é uma jovem funcionária de um hotel que ajuda a desvendar um crime.

Os quatro títulos recentes carregam um rótulo muito lido, mas pouco conhecido no país. São cozy mysteries — ou “mistérios aconchegantes”, em tradução literal — subgênero que vai na contramão de outras vertentes policiais mais sanguinolentas. Campeão de vendas mundo afora, os cozies não têm descrições sórdidas de cadáveres, nem contêm sexo, drogas e palavrões. Seus crimes também não revelam o lado obscuro e perverso da sociedade. Pelo contrário: são uma oportunidade para transmitir mensagens otimistas e destacar o melhor do ser humano.

— Todo mundo está em busca por um pouco de escapismo e reconforto nesses dias difíceis — diz Richard Osman, que vendeu 2 milhões de exemplares com o “O clube do crime das quintas-feiras” (50 mil deles no Brasil). — Eu gosto de apresentar personagens que parecem diferentes uns dos outros, mas que conseguem colocar suas diferenças de lado para tornar o mundo melhor. Todos dizem que estamos divididos. Mas somos melhores do que isso.

Para se ter uma ideia da popularidade deste subgênero, basta olhar o Goodreads , uma popular rede social de resenha de livros. Lá, há quase 27 mil títulos categorizados como cozy mystery. Ainda que alguns elementos nunca mudem (a resolução não violenta de um mistério), o termo abarca muitas variações.

O mercado já inventou o cozy com pet, o cozy de magia com bruxas-detetives, e até o cozy gastronômico, sobre crimes que ocorrem em lugares que servem comida, como confeitarias e restaurantes (nas páginas finais, os autores costumam passar a receita dos pratos citados ao longo das tramas).

Já o best-seller “Enola Holmes: O caso do marquês desaparecido”, que integra a coleção de Nancy Springer (publicada pela Verus) e virou série na Netflix, é um bom exemplo de cozy que renova a faixa etária dos leitores do gênero, normalmente mais velhos. A heroína é a irmã mais nova de Sherlock Holmes, provavelmente o mais famoso detetive da literatura. Outro título do gênero é o recém-lançado “Manual de assassinato para boas garotas” (Intrínseca), de Holly Jackson.

Obras sem angústia

Se você nunca ouviu falar em cozy mystery (ainda que possivelmente tenha lido um livro do tipo), é porque as editoras nacionais preferem bancar apostas individuais do subgênero, pescando sucessos avulsos aqui e ali, sem um selo forte por trás. Para corrigir este lapso, a Arqueiro lança este mês a coleção “Mistérios em série”, a primeira no país dedicada somente ao cozy.

Além da já citada série de livros de Louise Penny, a editora está publicando outros dois nomes importantes na área: Rhys Bowen (“A espiã da realeza”) e Jacqueline Winspear (“Maisie Dobbs”). Trata-se do maior investimento da editora este ano.

—Sentimos que esse era um público muito forte lá fora, o que gosta de enigmas, mas não da violência dos thrillers mais tradicionais —diz Nana Vaz de Castro, editora de aquisições da Arqueiro. — É tanta criança morta, corpo desmembrado e tortura psicológica nesses livros que dá até certa angústia.

A autora Rhys Bowen garante que nada de violento parece em sua trama, sobre uma parente da família real britânica (34º na linha de sucessão ao trono) que acaba se metendo com espionagem após fugir de seu castelo na Escócia.

— A ideia é dar ao leitor uma história com a qual ele consiga lidar (emocionalmente) —explica a britânica de 80 anos. —Não tem tortura ou sangue, nem personagens que povoam a escuridão. A conclusão é satisfatória, porque a justiça acaba sendo feita no final.

Outra característica do cozy é que ele coloca em cena pessoas comuns, permitindo que os leitores se reconheçam nos investigadores. Sem nenhuma familiaridade com ciência forense, os personagens levam adiante suas investigações em meio à descrença geral, sendo sempre subestimados pelos ditos “profissionais”. No fim, provam que todos estavam errados.

Mesmo quem já tem um certo treinamento policial, como a ex-enfermeira Maisie Dobbs, sofre com o preconceito. A personagem de Jacqueline Winspear precisa se firmar como detetive em um mundo predominantemente masculino (as tramas da série se passam logo após a Primeira Guerra). Já aconteceu dela ser confundida com a secretária de seu parceiro, o médico Maurice Blanche.

O título de Grande Dama do Cozy, contudo, pode ser concedido a Miss Marple. A icônica “detetive de poltrona” criada por Agatha Christie é a pedra de toque dos improváveis investigadores contemporâneos. A Rainha do Crime criou ainda o casal de de agentes Tommy e Tuppence Beresford, dos livros “M ou N?” e “Portal do Destino”, ambos lançados pela Globo Livros.

Sem Agatha, não existiria, por exemplo, a Vovó Bertha, heroína de Matt Ferraz inspirada nas próprias avós do autor mineiro. Na falta de um mercado mais sólido no país, Ferraz autopublica suas séries na internet, escrevendo direto no inglês.

— O público aqui no Brasil volta e meia estranha as minhas capas, acham coloridas e alegres demais para um livro de crime — conta ele. — Aí explico que é assim mesmo, que esse é um gênero diferente. Participo de muitos grupos de cozy e já dei palestras sobre o tema. O potencial no Brasil é enorme, ainda que hoje seja difícil apontar um grande nome de cozy nacional.

Receita de crime ‘aconchegante’

Sem violência: Essa é a primeira regra de um cozy mystery, e a única que não pode ser ignorada em hipótese alguma. Os leitores do subgênero não desejam tropeçar em descrições explícitas dos crimes. Também não querem saber de sexo, drogas e palavrões. Psicopatas e serial killers não são bem-vindos. Os assassinos preferem métodos menos sangrentos, como envenenamento.

Mortes anônimas: A notícia de um crime não pode fazer o leitor sofrer. Tenha cuidado para não matar um parente ou amigo de um personagem importante. Crianças, então, nem pensar.

Amadorismo: Crie detetives improváveis, com os quais os leitores possam se identificar. Um bom cozy normalmente é protagonizado por investigadores acidentais, que nunca pisaram em uma delegacia. Ou seja, pessoas sem acesso a tecnologias como teste de DNA e sem experiência com ciência forense. Usando sua intuição e semblante inocente, os diletantes conseguem resultados melhores do que os da polícia. Já quando os protagonistas são de fato policiais, costumam fugir do perfil durão e violento. É o caso do Armand Ganache, criado por Louise Penny, que esbanja empatia e generosidade em suas investigações.

Hobby: Crie tramas em torno das profissões ou hobbies dos seus personagens. Muitas séries de sucesso usam elementos como gastronomia, antiguidades, golf, pescaria ou quebra-cabeças.

Comunidade: Situe seu crime em uma comunidade, ambientes íntimos em que todos se conhecem. Os detetives sempre usam as dinâmicas da comunidade para resolver seus casos.

Otimismo: Os livros devem reconfortar o leitor. Ao contrário da literatura de crime tradicional, a trama não revela o lado obscuro da sociedade, mas sim o melhor do ser humano. Não poupe mensagens edificantes.

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