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Lygia Fagundes Telles Reprodução — Foto:
Lygia Fagundes Telles Reprodução — Foto:

Morreu na manhã deste domingo, aos 98 anos, a escritora Lygia Fagundes Telles. Segundo a agência literária que a representava, ela morreu de causas naturais. A paulistana completaria 99 anos no próximo dia 19. O velório será realizado neste domingo, a partir das 16h, na Academia Paulista de Letras.

Lygia ocupava a cadeira de número 16 da Academia Brasileira de Letras (ABL) desde 1985 e foi vencedora de quatro prêmios Jabuti (em 1966, por "Jardim Selvagem"; em 1974, por "As meninas "; em 1996 por "A noite escura e mais eu"; e em 2001, por "Invenção e memória") e do Camões, mais importante reconhecimento da literatura em língua portuguesa, em 2005.

Formada em Direito pela USP e Procuradora do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo, cargo que ocupou paralelamente ao ofício de escritora até se aposentar, Lygia publicou seu primeiro livro, "Porão e sobrado", em 1938. O primeiro romance, "Ciranda de pedra", saiu em 1954 e era considerado, pela autora, o início de sua maturidade literatura. Em 1995, em entrevista ao GLOBO, disse que seus quatro primeiros livros "eram prematuros". "Enquanto for viva, não permitirei que sejam republicados". Já "Ciranda de pedra" teve aval, inclusive, para ser adaptada para TV. Serviu de inspiração para novelas da TV Globo de mesmo nome, exibidas em 1981 e em 2008.

Lygia Fagundes Telles, em 1997 Agência O Globo — Foto:
Lygia Fagundes Telles, em 1997 Agência O Globo — Foto:

Nos anos 1970, a produção se intensificou e sairam algumas de suas principais obras: o livro de contos "Antes do baile verde"(1970) e "As meninas" (1973), outro vencedor de Jabuti, que foi adaptado para o cinema em 1995. Sobre essa obra literária, ela disse ao GLOBO, em 2011: "Entre os meus romances, só 'As meninas' é uma ficção datada (...) foi escrito com a atenção deliberada para deixar meu testemunho sobre a ditadura militar. Testemunhar seu tempo é uma das obrigações do escritor". Em 1977, foi a Brasília com a escritora Nélida Piñon, o escritor Jefferson Ribeiro de Andrade e o historiador Hélio Silva entregar ao ministro da Justiça, Armando Falcão, um manifesto assinado por 1046 intelectuais do país contra a censura.

—Além de uma grande escritora, que deixa uma obra que vai ser estudada pelos tempos afora, ela teve uma atividade cívica relevante. Ocupou todas as instâncias da sociedade brasileira, onde brilhou e foi generosa. No Manifesto dos Mil, que entregamos ao ministro em Brasília, e em vários outros momentos, ela esteve sempre presente —disse Nélida Piñon, relembrando que a amiga foi sua cabo eleitoral na época da candidatura para uma vaga na ABL, em 1989. — Era uma mulher com quem pude viver momentos muito bonitos, com elegância. Lygia estará presente no grande panteão da nossa pátria para sempre.

A grande consagração de Lygia veio em 2005, com o prêmio Camões, pelo conjunto da obra. Na época, recebeu uma carta de Antonio Candido, um dos principais intelectuais e críticos da literatura brasileira, felicitando-a pelo prêmio e reinvindicando o título de um primeiros a reconhecer o talento dela, quando ainda estava na Faculdade de Direito da USP.

"Refiro-me ao concurso de contos com pseudônimo entre estudantes de Direito, do qual fui juiz, não lembro se único ou com outros. O de que lembro é que destaquei um que vinha com sobrecapa de papel almaço ilustrado por três velas desenhadas a lápis vermelho, “Os mortos”, e o indiquei para o prêmio como sendo de longe o melhor. Depois, identifiquei a autora, conhecida vagamente de nome devido a uma coletânea juvenil que, sendo eu ainda estudante, foi comentada na Faculdade de Direito como sendo auspiciosa", escreveu Candido para Lygia, em 2005. A carta faz parte do acervo da escritora que está no Instituto Moreira Salles.

A paulistana ganhou também um prêmio Candango, do Festival de Cinema de Brasília, pelo roteiro adaptado da obra de Machado de Assis para o filme "Capitu", em 1969, em parceria com Paulo Emílio Sales Gomes, seu segundo marido. O primeiro foi advogado e jurista Gofredo Teles Júnior, com quem teve um filho, Goffredo da Silva Telles Neto, que morreu em 2006. Lygia deixou duas netas, Lúcia e Margarida, e bisnetas.

Durante toda a carreira, dividiu a profissão e a intimidade da vida cotidiana com os maiores nomes da literatura nacional. Nélida, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, todos eram amigos de Lygia. Em 1995, disse que a verdadeira recompensa do fazer literário não era o dinheiro ("Apesar de todos os livros publicados, não daria para viver uma vida decente nesse país"), mas sim as amizades que vieram da escrita. "Minha compensação são os amigos que fiz e a alegria de ser admirada por esses amigos".

Em 2011, falou sobre o ofício de maneira mais ampla: "O escritor pode ser louco, mas não enlouquece seu leitor. Ao contrário: o escritor pode afastá-lo da loucura. A função do escritor é produzir sentido e só o sentido se opõe à loucura. O escritor pode ser corrompido, pode ser triste, pode não prestar, mas ele sempre faz companhia a seu leitor. Por isso não consigo parar de escrever. Se você para de escrever, se torna infeliz, pois está desfazendo uma vocação. Está tapando os ouvidos para um chamado. Você está traindo esse chamado e, assim, traindo a si mesmo".

Agente de Lygia desde 1991, Lucia Riff descreveu a escritora como uma feminista forte e corajosa.

“Conheci a Lygia em 1984, na Editora Nova Fronteira, no início da minha carreira, e logo nos tornamos próximas. Quando a agência foi criada, em 1991, Lygia foi uma das primeiras autoras que passamos a representar. Em 2005, vivemos um momento lindo, quando estivemos em Portugal para a cerimônia de entrega do Camões. Toda vez que ia a São Paulo, nos encontrávamos e era sempre uma inspiração para mim que tive o privilégio de conviver com ela. Lygia foi uma mulher de vanguarda, uma feminista, forte e corajosa e deixou uma obra extraordinária.”, disse Lucia.

Fundador da Companhia das Letras, Luiz Schwarcz lamentou a morte de Lygia, cujas obras estão no catálogo da editora desde 2008.

"Sentiremos muita falta da delicadeza, elegância e carinhos que Lygia dedicava à sua literatura e também a nós seus editores. Nossa relação era mais que afetiva. Era um verdadeiro amor entre autora e seus editores. Uma profunda falta é o que sentiremos a partir de hoje."

A escrita da paulistana foi de grande influência para a nova geração da literatura brasileira. Giovana Madalosso, celebrada autora de "Tudo pode ser roubado" (2018) e "Suíte Tóquio" (2020), ambos publicados pela editora Todavia, listou os ensinamentos da mestre:

"Com ela, aprendi a enxugar o texto, a valorizar o mistério na narrativa e a dar títulos sugestivos e imagéticos para os contos. Lygia era mestra na arte de dar nomes. Também aprendi que sim, escritores podem sair sorrindo nas fotos, ao contrário do que pregavam alguns de seus pares na época. Seu amor pela vida foi outra lição. Como ela dizia, a literatura é importante, mas a vida é maior. Também foi mãe e feminista. Uma influência fundamental para mim. Estará sempre viva em cada linha que eu escrevo."

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