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Por Emiliano Urbim — Rio de Janeiro


Ricardo Lísias, escritor, que está lançando "Uma dor perfeita", relato literário do período em que esteve internado em uma UTI com Covid entre março e abril de 2021 — Foto: Marcos Vilas Boas
Ricardo Lísias, escritor, que está lançando "Uma dor perfeita", relato literário do período em que esteve internado em uma UTI com Covid entre março e abril de 2021 — Foto: Marcos Vilas Boas

O livro “Uma dor perfeita” é um relato do paciente Ricardo Lísias, paulistano de 47 anos, que esteve duas semanas internado numa UTI para pacientes de Covid de São Paulo no auge da pandemia no Brasil, entre março e abril de 2021. E também o novo romance do escritor Ricardo Lísias (de “O céu dos suicidas” e “Divórcio”), no qual ele buscou produzir mais do que um diário, mas literatura. De quebra, ao acatar a sugestão de seu editor de começar a escrever ainda no leito do hospital, o autor criou seu jeito de atravessar os dias em que esteve à mercê de uma doença (todos lhe lembravam) imprevisível.

Ao longo de 150 páginas, o leitor é jogado dentro de uma UTI e no interior de uma mente perturbada pela doença, com direito a avanços e recuos no tempo e até a uma experiência de desconstrução da própria linguagem ao longo de 12 páginas para dar conta da sensação de ter seus músculos “mastigados” pelo coronavírus.

— Desde que comecei a trabalhar, sabia que ia ser um texto literário. Queria expressar essa dor em outro registro— esclarece Lísias.

Como o hipotético leitor, Lísias foi pego no susto. Após testar positivo, chegou a dar uma aula à distância sobre Proust (futuro “companheiro” de leito) e avisou à turma que tinha sintomas leves. Logo piorou e, um ano após sair do hospital, Lísias ainda convive com sequelas, como lapsos de memória e dores musculares. A seguir, o autor fala da passagem pela UTI, da escrita do livro e da indignação com um governo que atrasou a compra das vacinas: “Tinham que estar no Tribunal de Haia.”

Em que momento da sua internação surgiu a ideia de transformar a experiência em livro?

Quando fui internado, conversei com algumas pessoas, e uma delas foi o meu editor na Alfaguara, também escritor, Marcelo Ferroni. Claro que não foi uma encomenda: o fato é que ele me conhece bem, trabalha comigo desde “O céu dos suicidas” (2012), e achou que registrar a experiência enquanto ela acontecia seria uma boa estratégia para encarar aquela surpresa.

Você não fazia ideia de que ficaria no hospital?

Eu nem imaginava essa situação. Eu nunca havia sido internado. Nunca quebrei um braço. Fui de chinelo. Levei o celular mas não levei carregador, era completamente impensável ficar lá. Achei que ia tomar um analgésico um pouco mais forte e ficar de observação. Quando vieram os exames, disseram que não iam correr o risco de me mandar para casa, aí fui direto para o tratamento intensivo. O que se demonstrou uma decisão acertada, porque piorei rapidamente.

Como foram os primeiros dias?

Foram os piores. No primeiro dia de internação eu já comecei a passar muito mal, com constantes ataques de tosse, febre muito alta e um grau de dor inimaginável da cintura para baixo. A médica explicou, e assim eu sentia: era como se os meus músculos estivessem sendo mastigados. Você não pensa direito, vive um certo grau de delírio. E ainda por cima tem o suor constante. Eu perdi entre 10 e 12 quilos.

Era possível escrever neste estado?

Nos quatro, cinco primeiros dias, eu estava muito mal, não pensava muito nisso. Depois, quando melhorei um pouco, passei a entender melhor o que acontecia em volta e perceber os outros pacientes, e fui me organizando, comecei a escrever mais, com papel e caneta. Todos os meus livros, aliás, eu comecei escrevendo à mão e, quando já tinha uma boa quantidade de material, passei para o computador. Mas já era o livro que virou “Uma dor perfeita”. Desde que eu comecei a trabalhar sabia que ia ser um texto literário. Queria expressar essa dor em outro registro.

Como era o seu contato com os outros pacientes?

Minha cama era cercada de cortinas, então era uma experiência sobretudo auditiva. Em alguns casos, que menciono no livro, consegui apreender um pouco da personalidade e do caso de cada um. Outros chegavam e logo desapareciam.

Você não chegou a ser intubado. Chegou a imaginar como seria? A escrever isso?

Cheguei na VNI (ventilação não invasiva), fiz uma ligação de celular para minha mulher e meu filho sabendo que que poderia ter sido a última. De qualquer forma, decidi não ultrapassar o que eu tinha vivido.

Você foi internado no auge da pandemia no Brasil, quando ainda não havia vacinas. Pensava nisso?

Os médicos diziam: “Não olha notícia no celular, fica vendo série.” Mas como é que a gente aguenta? Morriam quase quatro mil por dia de Covid. Sou privilegiado: fui com recursos próprios a um hospital em que fui atendido rapidamente, mas e quem teve que encarar uma fila? Pelo menos dois idosos da minha UTI não eram vacinados e morreram. Se tivessem tomado uma dose, poderiam ter sobrevivido. E o governo jogou contra. Não deram vacina porque não quiseram. Tinham que estar no Tribunal de Haia.

Cerca de um ano depois de internação, você tem sequelas da Covid?

Tenho algumas questões pontuais de memória e algumas dores musculares localizadas, mas pequenas. Mas há questões sociais, relações estremecidas. Quais famílias não foram atingidas? Também considero uma sequela.

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