Quando Chimamanda Ngozi Adichie esteve no Brasil pela primeira vez, para participar da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) em 2008, ela era uma promissora escritora nigeriana cujos dois primeiros livros, “Hibisco roxo” e “Meio sol amarelo”, tinham conquistado os meios literários. Quatorze anos depois, voltou ao país no último fim de semana para participar do LER - Salão Carioca do Livro, agora com outro status: ícone cultural e feminista.
Chegou e foi embora como um ídolo pop, posição raríssima para uma escritora. Entre sexta e domingo, o quanto durou sua estadia em um hotel cinco estrelas de Copacabana, cumpriu uma agenda tão intensa que chegou a desmarcar entrevistas. Com o GLOBO, falou durante 30 minutos na van que a levou do hotel ao Maracanãzinho, onde, na noite de sábado, discursou para uma plateia de 3 mil pessoas, a maioria estudantes da rede pública. No caminho, a escritora respondeu a algumas perguntas, mas, sobretudo, fez as suas, ávida em entender o panorama político, racial e de gênero do Brasil, o que, convenhamos, não é lá muito simples de explicar em pouco tempo.
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— Da última vez em que estive no Brasil, eu questionei onde estavam as pessoas negras. Desta vez, eu as vi mais, mas não sei se isso é uma consequência de eu ter me posicionado no passado — disse ela, ciente de que está no país que tem a segunda maior população negra do mundo depois do seu, a Nigéria. — O racismo não deveria acontecer aqui, não faz sentido!
Nesses três dias, Chimamanda falou, ouviu muito e deixou recados, alguns políticos e outros afetivos, com a autoridade de quem, desta vez, trouxe consigo um prêmio do National Book Critics Circle pelo romance “Americanah”, 16 títulos de doutora honoris causa, um discurso citado por Beyoncé na canção “Flawless” e o título de uma de suas palestras estampado em uma camiseta da Dior. Aliás, seus dois TED Talks, “O perigo da história única” e “Deveríamos ser todos feministas”, somam 15 milhões de visualizações. Não é de estranhar, então, que a escritora tenha sido ovacionada no Maracanãzinho por uma legião de chimamanders.
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Com Djamila Ribeiro
O público ouviu, por cerca de uma hora e meia, a conferência “Contando histórias para empoderar e humanizar”, na qual a autora repetiu temas que têm sido mantras nos últimos anos: a importância de formar leitores e, mais ainda, das histórias para a construção de sociedades plurais. Chimamanda subiu ao palco armado no ginásio apresentada pela filósofa Djamila Ribeiro, a quem saudou como “corajosa e inspiradora”. A admiração é mútua.
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— Chimamanda é muito lida no Brasil e sua obra dialoga com a realidade do país. Além de excelente escritora, ela tem um trabalho importante como feminista. Tê-la num ginásio, falando para milhares, é um marco. Mostra o poder dela e o alcance de sua obra, ao mesmo tempo que democratiza seus saberes — contou Djamila ao GLOBO.
Chimamanda no Brasil
O texto apresentado na noite de sábado foi alterado horas antes do início da conferência para incluir os pensamentos da escritora sobre tudo o que viu e ouviu no país. Antes de falar ao público, ela jantou com uma turma que incluía o ator Lázaro Ramos, a jornalista Maju Coutinho, a própria Djamila e a escritora Eliana Alves Cruz, cuja obra ela lamentou não poder conhecer (“É preciso traduzir os escritores negros brasileiros”, disse). Deu também uma coletiva de imprensa, onde, para sua surpresa, a maioria das jornalistas eram negras. Um encontro do qual saiu chocada com os casos recentes de trabalho análogo à escravidão, encantada com as tranças das mulheres (“quero saber se há muitos trancistas no Rio, porque vocês têm cabelos lindos”) e emocionada com os relatos.
— Eu não tenho a experiência de raça delas porque cresci na Nigéria, mas pude me identificar. Não apenas a fala, mas a linguagem corporal e as expressões faciais me mostraram o sofrimento causado pelo racismo. Foi muito emocionante. — contou Chimamanda, ressaltando não ter respostas para todas as perguntas feitas por jovens mulheres. — Eu escolhi falar sobre feminismo porque me importo. Mas não quero ser um guru. Há neles uma certeza religiosa que é o oposto de quem eu sou. Certezas são atraentes, mas não são reais.
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Acompanhada no Rio pelo irmão, o marido e a filha de 6 anos (os quatro só conversam em igbo, língua do grupo étnico a que sua família pertence: “é a mais bonita do mundo”, diz ela), Chimamanda foi na manhã de domingo a Rocinha, um desejo depois de entender que a maior parte da população das favelas cariocas é negra. No Maracanãzinho, ela não deixou por menos: “É preciso contar as histórias verdadeiras. A história de que as favelas têm maioria negra é incompleta. É preciso começar contando as razões dessa pobreza”, afirmou sob muitos “uhuu”.
Enquanto durou nosso passeio de van, Chimamanda quis saber mais sobre a preservação do Cais do Valongo e sobre as falas misóginas do presidente Jair Bolsonaro. Diante de episódios como o da “fraquejada”, não titubeou: “Soa para mim como uma criança estúpida. Como ele tem apelo?”.
No Maracanãzinho, ela se despediu dizendo esperar que a mensagem do Brasil para o mundo seja sua diversidade racial e cultural, não apenas suas praias e biquínis. E assegurou que vai voltar ao país.
“Espero que quando eu estiver aqui de novo vocês tenham um governante que respeite as mulheres”.