Todo mundo que assistiu a um bom número de shows na vida já fez, mesmo que mentalmente, uma lista dos melhores. E os critérios não são necessariamente a qualidade dos músicos ou o repertório da apresentação. Cada grande espetáculo ou pocket show bate de uma maneira no coração ou na memória de cada um. Há quem tenha saudade da lama do primeiro Rock in Rio ou da ausência de um cantor no palco enquanto sua banda toca esplendorosamente.
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O jornalista carioca Luiz Felipe Carneiro resolveu ir mais longe que a memória afetiva e acaba de lançar o livro “Os 50 maiores shows da história da música” (Belas Letras). Em ordem cronológica, ele destaca desde a última apresentação ao vivo do bluesman Robert Johnson, em 1938, até um espetáculo recente da turnê “American utopia”, de David Byrne, ex-Talking Heads. Com 42 anos de idade e desde 2015 à frente do canal “Alta fidelidade”, no YouTube, Luiz Felipe diz que só assistiu a um dos shows listados:
— Eu assisti ao “12-12-12”, no Madison Square Garden. Paul McCartney, Michael Stipe, Eric Clapton, Rolling Stones, The Who, Roger Waters, Dave Grohl, Alicia Keys, Bon Jovi, Billy Joel e Chris Martin na mesma noite. Nada mau.
Mesmo tendo sido testemunha de tão poucas performances, Luiz Felipe fez uma pesquisa tão aprofundada que o leitor é praticamente levado até o momento de cada apresentação. Como no histórico show de Elton John no Dodger Stadium, em 1975, na Califórnia: “Quando os portões do estádio se abriram, bolas de praia foram lançadas para o público. (...) O sol ainda estava forte quando Elton John entrou sozinho para cantar ‘Your song’, ao mesmo tempo que seu piano, sobre uma plataforma hidráulica, deslizava até a frente do palco. Bernie Taupin descreveu o momento: ‘Todo mundo estava abrindo os braços, gritando, tirando a camisa e girando-a acima da cabeça, envolvido por uma brisa de maconha’. A banda se uniu a Elton para ‘Border song’, e depois ele despejou sucessos como ‘Levon, ‘Rocket Man’, além da raramente executada ‘Empty sky’, faixa-título do disco de estreia”.
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Luiz Felipe gostaria de ter assistido a todos os shows de seu livro, claro. Mas, se pudesse escolher apenas um, gostaria de ter ido à primeira edição do Rock in Rio, em 1985.
— Eu tinha 5 anos na época, e minha mãe me levava na nossa varanda, no 26º andar de um prédio na Barra da Tijuca, para ver as luzes do Rock in Rio varrendo o céu — lembra o jornalista, autor do livro “Rock in Rio: A história do maior festival de música do mundo”, de 2011. —Eu queria ter ido ver o Queen e o Barão Vermelho. Escrever sobre esses shows foi uma forma de resolver o problema de não ter estado lá.
Com oito espetáculos de Bruce Springsteen e 25 (!) de Paul McCartney no currículo, Luiz Felipe conta que a ideia do livro surgiu há quatro anos, quando gravou para o seu canal no YouTube uma série de vídeos chamada “Os 35 maiores shows do rock”.
— Por alguma razão, a série ficou engavetada, e quando começou a pandemia, achei que era um bom momento de postá-la para dar alguma diversão às pessoas confinadas em casa — explica ele. —Quando a série terminou, imaginei que poderia render um livro. Procurei então a Belas Letras, que, para a minha alegria, topou na hora. Aí, fiz uma revisão nos 35 já feitos, elegi mais 15 shows e completei os 50.
Nem tão fiel assim
Ironicamente, o novo livro nasceu graças ao “Alta fidelidade”, canal que surgiu de um livro que não aconteceu, uma espécie de “enciclopédia do rock”. Aspas do próprio autor.
— Quando começou a onda de vídeos no YouTube, meu amigo Francisco Rezende insistiu para que eu fizesse um canal sobre música — conta o carioca. — Relutei porque era muito tímido. Mas um dia estava de porre e topei. De início, o Francisco filmou todos os vídeos, editou, me emprestou câmeras… Ou seja, fez tudo. Se não fosse por ele, o canal não existiria. E ainda bem que existe.
Quanto ao nome do canal, Luiz Felipe diz que a influência de Nick Hornby, escritor britânico aficionado por listas e autor de um livro homônimo, veio completamente por acaso:
— Gosto muito dele, mas não foi necessariamente uma grande influência. Na verdade, eu não tinha o nome do canal. O Francisco me ligou e disse que eu tinha que decidir na hora porque ele tinha que fazer as vinhetas. Olhei para a estante e lá estava o livro de Nick Hornby. Pensei: “Por que não?”
Além do texto episódico, que permite a leitura fora da ordem cronológica da edição, o livro “Os 50 maiores shows da história da música” ainda traz brindes, como cinco vídeos exclusivos (para quem comprar pelo site da editora) e um pôster inédito para cada um dos espetáculos listados. Todos os 50 cartazes, impressos no formato 20 cm x 25,5 cm, foram ilustrados por Jonas Santos, que trabalha como designer na equipe de pesquisa da TV Globo.
— Em 2009, em um dos quadros do programa “Conversa de Botequim”, que o Luiz faz com seu amigo Biofá, o tema era “Rock in Rio dos sonhos”, e nesse episódio a dupla listou seu line up ideal. Assim, decidi fazer um pôster chamado “Rock in Bio” como uma homenagem ao programa e ao Biofá, que falava a mesma língua que a minha, e hoje é cada vez mais raro de encontrar — conta Jonas.
A partir daí, segundo o designer paulista, de 35 anos, os laços entre eles se estreitaram. E quando surgiu a proposta do livro, Luiz Felipe teve a ideia de fazer uma obra ilustrada. Deu certo, como se pode ver nesta página dupla, com nove dos 50 pôsteres da publicação.
“Os 50 maiores shows da história da música”
Autor: Luiz Felipe Carneiro. Editora: Belas Letras. Páginas: 304. Preço: R$ 152,91.