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Por Ruan de Sousa Gabriel

Era dura a vida dos enamorados no Rio do século XIX. Os encontros entre os pretendentes ocorriam sob a supervisão dos pais e, claro, qualquer contato mais íntimo era censurado. Mas sempre há algumas brechas. Para marcar um encontro sigiloso com a amada, bastava o rapaz enviar-lhe a planta certa. Uma rosa azul provocava: “Hoje ou amanhã?” A resposta podia vir na forma de uma erva de São João: “Hoje não, amanhã sim.” Botões de rosa cheirosa significavam “Meus olhos só veem a ti”; pimenta-malagueta, “Estou ardendo”. Recomendava-se enviar plantas mensageiras a mocinhas que se enfeitavam com primaveras (“Desejo amar”) e fugir das que usavam viuvinhas (“Quero ficar solteira”).

No livro “A linguagem sentimental das flores”, (Editora Unesp), a antropóloga Alessandra El Far conta que os “dicionários amatórios das flores” se tornaram uma febre na corte carioca. Era mais uma moda importada de Paris. À época, o fascínio dos franceses pela botânica, pelo Oriente (rezava a lenda que as odaliscas se comunicavam com seus amantes por meio do envio de flores) e pelos ideais românticos que vinculavam estados de espírito à natureza asseguraram o sucesso editorial de títulos como “Le langage des fleurs”, de Charlotte de La Tour.

As cores e seus segredos

Ricamente ilustrados, estes livros explicavam o significado das flores por meio das características da planta e de episódios históricos ou mitológicos. Por exemplo: o jasmim branco, originário da Índia, era símbolo da amabilidade porque se adaptou facilmente ao solo europeu. Segundo a historiadora Beverly Seaton, os dicionários das flores não tinham muita utilidade prática, uma vez que o significado das plantas variava de um livro para o outro (romã podia significar tolice ou união). Eram apenas opções de presentes para mocinhas e senhoras respeitáveis.

Já no Brasil, os dicionários das flores perderam as ilustrações e os textos com referências botânicas, históricas e mitológicas e se transformaram em manuais de paquera. Títulos como o “Dicionário do bom gosto ou a linguagem das flores” e o “Dicionário das flores, folhas, frutas e objetos mais usuais” incluíram em suas páginas plantas tropicais, como jabuticaba, maracujá e jiló. Algumas flores também ganharam novos significados. Na França, a acácia era símbolo do amor platônico. No Brasil, virou uma maneira de dizer “sonhei contigo”.

— O Rio era uma sociedade do segredo. Trocava-se mensagens o tempo todo. Até um bilhete sem nada escrito continha uma mensagem na cor do papel — explica El Far.

Os dicionários também ensinavam a se comunicar por meio de determinadas cores e de movimentos de leque e bengala. Um papel roxo indicava saudade. Para se declarar ao amado, uma donzela cobria os olhos com o leque desdobrado. Um rapaz que tirava o chapéu suplicava “Não te esqueças de mim”. Se isso não fosse suficiente, era só ajeitar a gravata para dizer: “A vida sem teu amor é um inferno”.

 Ilustração do livro “L’ancien et le nouveau langage des fleurs” (1852) — Foto: Divulgação
Ilustração do livro “L’ancien et le nouveau langage des fleurs” (1852) — Foto: Divulgação

Por dentro da linguagem secreta das plantas

Camélia. Nos dicionários franceses, remetia à constância. Nos brasileiros, passou a significar “Aceito com prazer”. Posteriormente, tornou-se símbolo do movimento abolicionista por ser uma planta rara no Brasil: “Exatamente como a liberdade que se pretendia conquistar.”

Acácia. Na França, significava “amor platônico”. No Brasil, presentear alguém com esta flor era o mesmo que dizer “Sonhei contigo”, como bem sabia D. Quinquinha, personagem do romance “A moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo.

Malmequer. Quem a usava no peito indicava estar passando por “tormentos cruéis”.

Trevo. Enviado para marcar encontros, significava “Vem na segunda-feira”.

Trepadeira amarela. Instrução para os encontros clandestinos: “Vem pela porta da rua.”

Margarida. Declaração de amor tímida: “Estou apegado a ti.”

Amor-perfeito. Declaração direta: “Existo só para ti.”

Botão de cravo carmesim. Quase um pedido de casamento: “Desejo ser feliz contigo.”

Abacaxi. Nada a ver com problemas, como hoje. No dicionário da Madame La Tour, significava “Você é perfeito”.

Araçá-da-praia. Indicava cansaço com o comportamento do outro: “Basta de tantos enganos.”

Figos brancos ou batata-doce branca. Equivaliam a mandar “beijos de amor”.

Serviço:

“A linguagem sentimental das flores e o namoro às escondidas no Rio de Janeiro do século XIX”

Autora: Alessandra El Far. Editora: Unesp. Páginas: 248. Preço: R$ 68.

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