“Era uma vez um rei e uma rainha que governavam com alegria um país agradável, mas eles não tinham filhos. Certa noite, o rei foi visitar a inventora real, e a rainha foi visitar a sagaz bruxa velha que vivia na floresta. Os dois pediram a mesma coisa: uma criança.”
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Foi assim que surgiram os protagonistas do livro “O robozinho de madeira e a princesa-lenha”, estreia na literatura infantil do quadrinista Tom Gauld.
— O livro começou como uma história de ninar que inventei para minhas duas filhas — explica o autor escocês, de 46 anos, por e-mail. —Minha filha mais nova dorme tão profundamente que a chamamos de “tronco”. Então, uma noite inventei um conto sobre duas princesas em que uma delas se transformava em tronco quando dormia. Percebi que daria um bom livro ilustrado, mas depois decidi que um robô de madeira daria mais diversão visual do que uma segunda princesa.
Uma história épica
O fato de a princesa-lenha (tradução genial para the log princess que aproxima a protagonista de uma famosa personagem de “Star wars”) se transformar em tronco toda noite, quando dorme, é o que desencadeia a deliciosa trama do livro, pois só seu irmão pode despertá-la.
Tudo tem início numa manhã em que ele descobre, apavorado, que a camareira jogou a irmãzinha, ou melhor, o tronco, pela janela, achando que fosse lixo. Assim, ao partir à procura do pedaço de madeira perdido, o robozinho vive inúmeras aventuras, inclusive algumas só sugeridas, o que leva a crer que o livro possa vir a ser uma série no futuro.
— A editora sugeriu transformar esses trechos em mais livros, mas quero que permaneçam abertas à interpretação do leitor — diz Gauld. —Eu esperava passar a impressão de uma aventura muito maior, mais longa e épica, mantendo o livro curto o suficiente para ser lido em uma noite, como uma narrativa para dormir. Gosto da ideia de que a criança possa imaginar essas histórias, discuti-las ou até mesmo escrevê-las. E também são um aceno para os contos de fadas estranhos e ligeiramente insanos que existem. Meu favorito é “O rato, o pássaro e a salsicha” .
![Autorretrato do cartunista escocês Tom Gauld — Foto: Divulgação](https://s2-oglobo.glbimg.com/FCOKNy2RgKkI9GZxO_FH7mLyCBA=/0x0:3864x4474/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/G/m/FfEw9cQmiwqBn6aPGbAA/auto.jpg)
Autor de gibis como “Golias” e “Guarda lunar”, ambos publicados no Brasil pela editora Todavia, Gauld diz que a grande diferença que percebeu, ao produzir um livro infantil, foi o poder de escolher o que poderia desenhar:
— Em uma história em quadrinhos você precisa desenhar praticamente tudo, mas em um livro ilustrado você pode escolher as coisas mais interessantes, e fazer ilustrações divertidas. E deixar as outras coisas acontecerem através das palavras.
!['O robozinho de madeira e a princesa-lenha', livro infantil do cartunista Tom Gauld — Foto: Reprodução](https://s2-oglobo.glbimg.com/nWPH9BtozC1vExBmcp82ZnTTxbg=/0x0:228x284/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/m/Z/baG53eQUWmnI7hCEWlyQ/screenshot-1.png)
Melancolia em quadrinhos
Cartunista regular do jornal The Guardian e das revistas The New Yorker e New Scientist, Gauld costuma produzir HQs em tom reflexivo, praticamente existencialista.
— “Guarda lunar” é uma história melancólica, mas eu queria que houvesse alguma esperança no final. —explica o desenhista, que diz ser um otimista. —Histórias de ficção científica tendem a ser utópicas ou distópicas, mas eu queria que meu quadrinho fosse sobre um lugar que falhou em ser uma utopia e se tornou algo decepcionante.
Produzindo cartuns, quadrinhos e, agora, literatura infantil, Gauld diz que seus personagens têm algo em comum:
— Eles estão sempre tentando fazer o melhor em situações difíceis. Mesmo em “O robozinho de madeira e a princesa lenha”, as coisas dão errado, mas todos tentam ajudar uns aos outros.
“O robozinho de madeira e a princesa lenha”. Autor: Tom Gauld. Editora: VR Editora. Tradutor: Fabrício Valério. Páginas: 40. Preço: R$ 64,90.