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Por Emiliano Urbim

Com 200 páginas, “Do transe à vertigem” (Ubu) parece ter mais — no bom sentido. Em sete “ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em transição”, o filósofo Rodrigo Nunes condensa as convulsões políticas e sociais que sacudiram o Brasil e o planeta na última década, incluindo seus reflexos na cultura.

Professor de Filosofia Moderna e Contemporânea na PUC-Rio, Nunes faz um paralelo entre as questões apresentadas pelo clássico “Terra em transe” (1967), de Glauber Rocha, e o documentário “Democracia em vertigem” (2019), entre vários filmes que abordam o impeachment de Dilma Rousseff. Também compara a performance de referência nazista que levou à queda do ex-secretário da Cultura Roberto Alvim com atos dos trolls nas redes e relaciona séries sobre zumbis e falsários com o espírito da época.

No último ensaio, analisa o vídeo que ficou conhecido como “Batman no Leblon”, registro de um bate-boca (ou “delírio tropicalista”) com Batman das Manifestações, Cineasta Petista, Fotógrafa Olavista e grande elenco. Foi em 19 de janeiro de 2014, data que, Rodrigo sugere, talvez seja lembrada como “o dia em que o país parou de fazer sentido.”

Como um país recupera o senso? Para ele, o sistema político se beneficiaria de pressão externa.

— É preciso uma mobilização de forças fora da política institucional, pressionando quem está dentro das das instituições — diz Nunes, que trata do tema em seu próximo lançamento, previsto para o início de 2023, “Nem vertical, nem horizontal: Uma teoria da organização política”, também pela Ubu.

Você aborda grandes mudanças por que o mundo passa sem perder de vista os reflexos dessas mudanças na cultura. Qual a importância desse duplo olhar?

Faço um movimento da macropolítica para o que Gilles Deleuze e Félix Guattari chamariam de micropolítica. Pego as grandes transformações do capitalismo global, das relações laborais, da política institucional, a chamada “política dos políticos” e vejo como elas se expressam na vida afetiva das pessoas, nas suas subjetividades, no que elas admiram e no que sentem repulsa. Dentro disso, obras de arte e objetos culturais podem ser muito representativos dessas mudanças.

No livro você sugere ligação entre a recente onda de séries e filmes sobre zumbis com ideias como o neoliberalismo.

De fato, depois da crise financeira de 2008, existe uma febre de zumbis na cultura. Penso que pode ter relação com a sensação de estarmos vivendo num mundo onde parecia que tudo tinha que ter mudado, mas nada mudou.

E agora, a onda no audiovisual são as produções sobre falsários e golpistas, muitos baseados em histórias reais.

Que é muito representativa do nosso tempo. O que essas pessoas fizeram de ilegal não é muito diferente das práticas perfeitamente normalizadas no mundo corporativo. Existe muito capital financeiro em busca da próxima grande ideia, e não falta gente vendendo grandes ideias que na verdade são grandes furadas, mas aí a empresa já foi vendida e a atenção está na próxima start-up. Acho que temos visto cada vez mais filmes e séries sobre o tema porque, de certa maneira, a gente vive a Era de Ouro do Golpe.

Você também escreve sobre sobre o vídeo “Batman no Leblon”, que viralizou em 2014. Por que se debruçar sobre um registro de bate-boca, na época encarado por muitos como piada?

Me debruço sobre aquele vídeo porque eu acho que ele representa muito bem o rearranjo de identidades políticas que estava acontecendo naquele momento. Capta um momento de transição, em que você tem a incompreensão mútua entre os manifestantes de 2013 e uma esquerda tradicional, com a direita conservadora se construindo em paralelo sem que ninguém a leve muito a sério.

Essa ascensão da direita acabou se refletindo na política institucional.

Com um componente de mudança cultural. Daria para colocar Trump, Boris Johnson e Bolsonaro numa categoria de políticos que devem suas vitórias à ascensão das redes sociais. Mais do que animadores de auditórios, são influencers. É um perfil ótimo para fazer campanha, mas péssimo para governar: eles são obrigados a fazer esse jogo meio esquizofrênico de se apresentar como figuras ao mesmo tempo anti-sistema e parte dele.

Você analisa dois filmes que reagem a dois reveses da esquerda brasileira: “Terra em transe”, pós-Golpe de 64, e “Democracia em vertigem”, pós-impeachment de Dilma. Na sua análise, a mensagem de “Terra” é que faltou radicalizar; de “Democracia”, que faltou ceder. Qual seria o desafio de um próximo governo de esquerda no país?

Mantidas as condições atuais, tudo indica que teremos uma vitória do Lula, ainda que eu acredite que será mais difícil do parece. Este governo do PT encontraria circunstâncias muito menos favoráveis do que em 2003, quando chegou ao poder pela primeira vez. A conjuntura econômica é pior, e as instituições estão muito mais desgastadas. Houve uma ruptura de confiança com o impeachment da Dilma que fez todos passarem a tratar as regras do jogo como facultativas.

Como sair dessa vertigem?

Diante da desigualdade econômica, do déficit democrático e do aquecimento global, o maior problema com o qual a Humanidade já se deparou, qualquer solução parcial é um esparadrapo em cima de um de uma ferida aberta. É preciso oferecer propostas radicais que são realistas, no sentido de responder à realidade daquilo que é necessário fazer, viáveis no curto e no médio prazo. E, diante da margem mínima de manobra dentro do sistema, é preciso uma mobilização de forças fora da política institucional, pressionando quem está dentro das das instituições.

Capa de "Do transe à vertigem: ensaios sobre o bolsonarismo e um mundo em transição" (Ubu), de Rodrigo Nunes — Foto: Reprodução
Capa de "Do transe à vertigem: ensaios sobre o bolsonarismo e um mundo em transição" (Ubu), de Rodrigo Nunes — Foto: Reprodução

“Do transe à vertigem: Ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em transição”
Autor: Rodrigo Nunes. Editora: Ubu. Páginas: 204. Preço: R$ 59,90.

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