Livros
PUBLICIDADE

Por Isadora Sinay, Especial Para O GLOBO* — Rio de Janeiro

Novo romance de Juliana Leite (Prêmio Sesc de Literatura por “Entre as mãos”, de 2018), “Humanos exemplares” começa com um despertar. Em uma manhã qualquer, uma mulher abre os olhos, se levanta da cama, passa um café, mistura com leite e mergulha na xícara um pedaço de pão com manteiga. A cena é cotidiana, corriqueira, o tipo de sequência que quase todos nós realizamos diariamente sem nos atentarmos — ainda mais para quem já passou dos 100 anos, como Natália, essa mulher que acorda e toma café da manhã com tanta tranquilidade.

A partir daí o livro acompanha os dias de Natália, que mora sozinha em um apartamento e se alterna entre realizar as tarefas do presente e relembrar o passado. Às vezes ela conversa com a filha que mora longe e relembra a história que a levou para o que a autora chama de “oceano superior”. Outras vezes seu olhar recai sobre um retrato do marido já falecido e desenrola-se a história de como eles se conheceram, de como trabalharam como professores durante a ditadura militar e de como ele finalmente foi embora desse mundo.

Natália puxa o fio de sua vida para entender como chegou até aqui, mas também para examinar o sentido de ainda estar viva e de morrer qualquer dia desses. É corajoso da parte de Juliana tomar a morte como assunto tão de frente, e mais ainda criar um cenário que permite encará-la como natural e pacificada e que torna a vida, que continua a vir dia após dia apesar das expectativas, um assombro e um passe de mágica.

Esse enquadramento transforma “Humanos exemplares” em um livro quase existencialista, e é mérito da autora que esse encantamento com a existência não se limite à longevidade da protagonista, mas se ligue a tudo aquilo que cabe em uma vida.

Fluxo de consciência

Os personagens dessa obra são pessoas comuns, e Natália é, no sentido mais puro da palavra, banal. Seu casamento foi feliz, mas nenhuma história de cinema. Seu relacionamento com a filha teve altos e baixos, como todos, como qualquer um. Seus amigos, companheiros, conhecidos são todos pessoas normais, humanos exemplares justamente em sua banalidade e a riqueza narrativa dessa obra nasce daí: de tudo que cabe em uma vida normal, em todas as vidas.

É bonito, e talvez o aspecto mais interessante do romance, o entremeio que Juliana Leite faz entre essas existências tão normais e os tempos extraordinários que as atravessam. Pessoas comuns que vivem os anos de chumbo, o fim do comunismo, o início da internet. É quase assustador pensar no quanto o mundo mudou no tempo de vida dessa única personagem.

Por outro lado, em alguns momentos a inserção de marcos históricos parece artificial e desvia a atenção de temas talvez mais interessantes. Por exemplo, no início do livro é dado a entender ao leitor que Natália nunca sai de casa ou vê ninguém por conta da pandemia de Covid-19.

Há uma reflexão bonita na ideia de que essa senhora centenária é agora tão vulnerável quanto todos os humanos do planeta, mas é verdade também que nossa sociedade isola e confina idosos em quaisquer circunstâncias. A pandemia como cenário afasta um pouco a discussão sobre o isolamento social dessa velhice que é o próprio objeto de investigação da obra.

Há outros momentos em que a costura entre pessoal e coletivo se esgarça um pouco, mas quando ela funciona o livro encontra sua melhor versão.

Junto com essas relações, outro ponto forte é a forma encontrada por Juliana, um romance de fluxo de consciência que segue com precisão os ritmos da memória e do devaneio e retrata com fidelidade uma mulher de passado tão rico e presente tão diminuto. O rigor formal da construção do romance chama a atenção, junto da prosa rara e impecável da autora, de 39 anos: ao mesmo tempo simples e precisa, feita de palavras ordinárias e sintaxe direta, mas poética em suas imagens e profundamente lírica na leveza com que comunica seus personagens.

*Isadora Sinay é doutora em Letras, professora, tradutora e autora do livro “Você não deve esquecer nada”

Mais recente Próxima
Mais do Globo

Boris Johnson, Kim Kardashian e casal Chopra-Jonas são alguns dos convidados para festa na Índia; outros ícones globais são esperados

Casamento de 'novos marajás' vai custar R$ 3,2 bilhões, ou 0,5% da fortuna do clã, estima jornal

Influenciadora falou sobre procedimentos e avisou: 'Vou mostrar para meus fãs em breve'

Ex de Neymar, Fernanda Campos faz lipo íntima e no abdômen: 'R$ 80 mil no shape'

Operação Embaixadora identificou que a mulher fingia ser da embaixada para obter diversas consultas e medicamentos com uma médica nutróloga

'Coleciona vítimas em todo o país': Mulher é presa em MG suspeita de fingir ser da embaixada alemã para aplicar golpes

Além da apresentação dos grupos, Festival Arraiá do Rio Junino, gratuito, tem comidas tradicionais e área kids

Competição de quadrilhas tem etapas classificatórias na zonas Norte e Oeste e final na Apoteose; confira a agenda

Repertório traz sonoridade pop romântica e é composto por quatro faixas

Igor Jansen, o Aldenor de 'No rancho fundo', retoma carreira musical e lança EP

Boris Johnson, Kim Kardashian e casal Chopra-Jonas são alguns dos convidados para festa na Índia; outros ícones globais são esperados

Celebridades e ex-premiers chegam para casamento do herdeiro do mais rico da Ásia; veja imagens