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Por Ruan de Sousa Gabriel


Geovani Martins na Flip — Foto: Hermes de Paula
Geovani Martins na Flip — Foto: Hermes de Paula

É difícil narrar a trajetória do escritor Geovani Martins sem citar a Flip. Cria da Flup (Festa Literária das Periferias), Martins participou de mesa sobre oficinas literárias no Complexo do Alemão na Flip de 2015 e foi embora de Paraty com uma ideia fixa: escrever um livro. Em 2017, deu as caras na programação paralela e conheceu os editores da Companhia das Letras, no ano seguinte, voltou à principal com um livro de contos publicado: o elogiadíssimo “O sol na cabeça”, rapidamente traduzido para diversos idiomas. Este ano, Martins retorna a Paraty com seu primeiro romance: “Via Ápia”, que descreve a ocupação da Rocinha pelas Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs.

Martins assistiu de perto às mudanças da Flip nos últimos anos, como o crescimento da programação paralela, da participação de autoras mulheres e autores negros e das discussões políticas (principalmente raciais). Ela nota que, nos últimos anos, até o público da festa ficou “mais jovem e mais preto”.

— A Flip reflete o que é o Brasil. De certa forma, é um festival excludente, o acesso é difícil, os preços são altos, mas tem discussões intelectuais importantes — diz ele.

Nesta sexta-feira (25), Martins participa de uma mesa com a escritora americana Ladee Hubbard, autora do romance “A talentosa família Ribkins”, ao qual ele não poupa elogios. No domingo (27), conversa na Casa Folha com a Nobel de Literatura Annie Ernaux, que leu “O sol na cabeça”. À primeira vista, os dois autores não poderiam ser mais diferentes: uma francesa de 82 anos que recusa quaisquer artifícios literários para investigar como ascender socialmente também é trair as origens, e um carioca de 31 anos que incorpora as gírias das favelas ao ponto de tornar algumas frases ilegíveis aos não iniciados.

Martins, no entanto, enxerga algumas semelhanças entre os projetos literários dos dois: ambos se interessam pela memória coletiva. Em suas “autossociobiografias” (especialmente em “Os anos”), Ernaux conta a própria história e, ao mesmo tempo, a história recente da França e de todos os que são como ela: os “trânsfugas de classe”, que se distanciaram de suas famílias operárias ao ingressar no mundo da cultura. Em “Via Ápia”, Martins também narra o impacto da implantação das UPPs naqueles que eram como ele: jovens pobres (quase todos negros) e moradores das favelas.

— Acho foda que ela consiga falar de muita gente a partir de um lugar específico. Esse é também o meu esforço. Não quer ser a voz da juventude, mas uma voz se soma a outras vezes para contar histórias de gente como eu — afirma. — Somos de países e gerações diferentes, mas nos ligamos no desejo de construir uma memória coletiva, mas que não se pretende universal.

Em “Via Ápia” (o título do romance é o mesmo da principal via de acesso à Rocinha), Martins conta os “perrengues” e “neuroses” de cinco jovens cujas vidas foram impactadas pelas UPPs em capítulos que se sucedem como entradas de um diário: os irmãos Wesley e Washington e os amigos Douglas, Murilo (cooptado pelo exército) e Biel (o único branco, que usa a cor da pele para mentir que não é da favela). O romance apresenta uma Rocinha que vivia em relativa paz até a chegada das Forças Armadas. Muito piorou após a ocupação, inclusive a vida dos jovens, que passaram a ser submetidos a revistas constantes e impedidos de se deslocar livremente pela comunidade. Martins era um desses jovens. Ele lembra que, inicialmente, as UPPs foram festejadas pela mídia e que seu objetivo como escritor é narrar uma “contra-história” que dê voz a quem não é ouvido pela narrativa oficial. Durante a escrita do livro, ele também construiu um cânone pessoal alternativo, composto por autores africanos, como o nigeriano Chinua Achebe e o queniano Ngũgĩ wa Thiong'o.

— Comecei a reconhecer as influências da arte afrodiaspórica que eu já tinha, como o apreço pela oralidade, atrás de quem a escrita sempre tem que correr, e o componente de crítica social que existe em ritmos como o sampa, o rap e o reggae — explica Martins, que afirma ainda não ter se sentido pressionado pelo sucesso do primeiro livro enquanto escrevia o segundo. — Senti pressão escrevendo o livro anterior: insegurança alimentar, não ter dinheiro para pagar o aluguel, ter que ir para a obra no dia seguinte. Agora, eu tenho mesa boa, cadeira boa, posso comprar livros, tenho tempo para ler e refletir. Antes, eu escrevia porque não conseguia aceitar que a minha vida toda ia ser aquele perrengue, escrevia com a necessidade de mudar o bagulho. Agora, eu posso escrever porque é minha profissão.

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