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Por Ruan de Sousa Gabriel — São Paulo

De cara, José Falero já avisa: vai “falhar miseravelmente” ao descrever como sua vida mudou nos últimos anos. Criado na Lomba do Pinheiro, na periferia de Porto Alegre, Falero tem 35 anos e já trabalhou como porteiro, servente, pedreiro e gesseiro.

Agora, comemora os frutos do trabalho que hoje garante seu sustento: o de escritor. Mês passado, recebeu sua segunda indicação ao Prêmio Jabuti, pelo livro de crônicas “Mas em que mundo tu vive?”. Em 2021, concorreu ao troféu com seu romance de estreia, “Os supridores”, já editado na França.

Hoje, Falero está às voltas com o lançamento da nova edição de “Vila Sapo”, livro de contos publicado originalmente em 2019. É um momento de relembrar sua chegada ao mundo da literatura.

— Eu era um cara que não ia conseguir ter essa conversa (de ser escritor). Era deprimido, tinha dificuldade de socializar. Pensava: “Como é que eu vou ser escritor? O que eu vou fazer quando me chamarem para falar em público?” — conta Falero. — Quem tem origem social igual à minha não é preparado para ocupar os espaços que eu tenho ocupado, sabe?

Pois Falero abraçou a literatura quase de pirraça. Caroline, a irmã mais velha, tanto insistiu que o caçula adquirisse o hábito da leitura que ele resolver ler um livro só para ter o prazer de anunciar que não havia gostado. Leu “Besta-fera”, de Jack Woods, sobre um lobisomem... e adorou! Tornou-se um leitor voraz. Parou até de jogar bola. Lia de tudo: Agatha Christie, Machado de Assis, Marx... O desejo de escrever não demorou a surgir.

Nos primeiros textos estavam ausentes algumas das características mais vistosas da prosa de Falero, como a oralidade, o talento para reproduzir a linguagem das ruas, cheia de gírias, que engole letras e flexiona apenas os artigos no plural. “Os nego tudo se reunia pra tomar caipira de bergamota”, diz o narrador de “Atotô”, conto que abre “Vila Sapo”.

Mas o Falero daquela época era um “preconceituoso linguístico” e preferia escrever com “termos de marmanjo afetado”, como diz o narrador de outra história, “Rosa-bebê”, que descreve um linchamento com precisão machadiana.

— As primeiras versões de “Os supridores” não tinham nada de oralidade. Os caras no fundo do beco conversavam assim: “Dir-lhe-ei o seguinte” — diz Falero sobre seu romance de estreia, no qual dois repositores de supermercado começam a vender maconha para melhorar de vida. — Muitas das virtudes que veem no meu trabalho são virtudes coletivas, de quem vem do mesmo lugar que eu: o uso da linguagem, a ironia, o bom humor. Esse é o nosso jeito de ser.

Quando vai a colégios de classe média conversar com estudantes que leram “Vila Sapo”, Falero ouve com frequência o mesmo questionamento: por que suas histórias têm “bandidos”? De fato, alguns de seus personagens vivem no limite da legalidade, e a brutalidade policial aparece em quase todos os contos.

Capa do livro "Vila Sapo", de José Falero — Foto: Reprodução
Capa do livro "Vila Sapo", de José Falero — Foto: Reprodução

Sim, Falero quer discutir as relações entre injustiça social, criminalização da pobreza e violência urbana, mas assegura que seu interesse como escritor é outro: a subjetividade dos que vivem às margens e são automaticamente escalados para o papel de bandido.

— Já viu matéria dizendo “filho de fazendeiro lança livro”? Nesses livros escritos em apartamentos de Copacabana, quando aparece alguém da minha origem social, é sempre como bandido, e não há nenhuma preocupação com a subjetividade dele. A história dele não interessa, se passou fome, se cresceu apanhando da polícia. Quero trabalhar a subjetividade dessas pessoas. Quero falar de afeto, do que é humano, olhando para o beco.

Falero lamenta que a elite literária não tenha muito assunto. Segundo ele, escritores só sabem falar de livro, prêmios, resenhas... Ele próprio, apaixonado pela literatura, às vezes prefere falar do Grêmio.

— Quando eu trabalhava no gesso, a gente saía para jogar sinuca toda sexta à noite e, se alguém perguntasse como a gente ia fazer o forro na segunda, alguém respondia: “Pô, meu, vai falar de trabalho aqui?” O pessoal da literatura é muito doido, só fala de trabalho. Às vezes, me enche um pouco. É um alívio estar com a galera do Pinheiro. Lá, até quem lê tem outros assuntos — diz Falero, que coleciona camisas de time de futebol e conversou com o GLOBO ostentando as cores da Ponte Preta, de Campinas.

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