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Por Talita Duvanel

Depois de ver o sangue de Marielle Franco gotejar do carro alvejado de balas no Rio, Anielle, irmã caçula da vereadora, precisou escrever. Não que isso fosse um hábito novo — ela sempre manteve diários desde jovem, principalmente quando cursou o ensino médio e a faculdade nos Estados Unidos como atleta de vôlei. Mas o brutal assassinato da irmã, naquele 14 de março de 2018, mudou o conteúdo das páginas. Se a vida nunca mais seria igual, as narrativas também não.

O resultado de suas escrevivências, termo que ela pega emprestado de Conceição Evaristo, sai agora em “Minha irmã e eu” (Planeta), livro que terá noite de autógrafos no próximo dia 11, às 20h, na Festa Literária das Periferias (Flup), no Centro de Artes da Maré, comunidade em que as duas foram criadas.

Nas 208 páginas, Anielle mistura lembranças do próprio passado com o da irmã, de quem era muito próxima, tenta elaborar o luto, descarrega fúria e frustração e compartilha as dinâmicas de uma nova realidade — a de porta-voz de palavras de luta que nem todos puderam ouvir, mas agora o mundo todo, de Buenos Aires a Paris, parece querer escutar. A partir disso, ela também apresenta a família Francisco da Silva— o sobrenome Franco foi uma escolha de Marielle apenas para ser mais sonoro na política, como Anielle conta no diário.

Anielle e Marielle Franco numa festa de São Jorge — Foto: Arquivo pessoal
Anielle e Marielle Franco numa festa de São Jorge — Foto: Arquivo pessoal

—Fomos tão atacados no começo, houve tanta fake news sobre a Mari, que ainda hoje é uma coisa surreal. Ano de eleição, meu Deus do céu, voltam à tona com tudo. Espero que as pessoas sintam a raiz da família e entendam um pouco mais quem é a Mari — diz Anielle, de 38 anos, que admite ainda ter dificuldades em falar da irmã no tempo passado.

Numa escrita franca, com linguagem que remete à intimidade, Anielle não esconde as preocupações com seus novos papéis no âmbito familiar e na sociedade. Tampouco guarda para si a fúria em ver um monte de gente tentando “surfar” na tragédia da irmã.

—Meu maior medo era se ia dar conta da raiva e de medir as palavras — diz Anielle, mãe de duas filhas, Mariah, de 6 anos, e Eloah, de 2. — Ainda é muito difícil lidar com o uso da imagem dela, mas hoje consigo controlar mais a raiva, o medo, a saudade. No entanto, foi ainda pior não saber quem chegava genuinamente para ajudar e quem chegava para usufruir da imagem dela. Isso foi o mais difícil. Tomei muito na cabeça.

'Minha irmã e eu', de Anielle Franco — Foto: Editora Planeta
'Minha irmã e eu', de Anielle Franco — Foto: Editora Planeta

O Instituto Marielle Franco, que ela dirige, tem como uma das atribuições justamente ser o espaço em que a família controla o legado da vereadora. Anielle dedica boa parte da vida a esse empreendimento. Dar aulas de inglês virou coisa do passado, mas, mesmo com o turbilhão que desestruturou parte de seus planos, conseguiu formar-se no mestrado e hoje faz doutorado em Linguística Aplicada. Quer terminá-lo para realizar um de seus maiores desejos: lecionar numa universidade. Outro sonho é ser comentarista de vôlei, esporte que a acompanha desde os tempos de escola pública na Maré:

—Com a nossa saudosa Isabel (Salgado, que morreu no último dia 16), de quem me aproximei depois da morte de Marielle, eu comentava que meu sonho era jogar vôlei de praia profissional ou ser comentarista. Ela ria e dizia: “Quem sabe não dá tempo?” Depois de política e Marielle, vôlei é o que eu mais entendo (risos).

Diante de anseios tão díspares, é possível se sentir confortável com os caminhos que segue? Ela responde que sim, mas...

— Haja terapia para isso. Sempre amei falar, conversar. Mas tive que entender como ia confluir o meu sonho com aquilo que a vida estava me solicitando.

Agora, a vida veio com novo desafio: fazer parte do grupo técnico de políticas para mulheres do gabinete de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

— Sempre me perguntava muito se era para eu ir para a política institucional — diz. — Tive muita cautela porque, além da segurança, acho um lugar muito tóxico, dependendo do que você vá fazer, e muito difícil para as mulheres no geral. Então, preferi incentivá-las a me candidatar. Não descarto, se me sentir pronta para isso.

Mistério e dilema

Se algum dia entrar na política institucional, poderá contar com interlocutoras como Francia Márquez, vice-presidente da Colômbia, de quem se aproximou nos últimos anos. As duas se encontrarão novamente num evento nos EUA em março, numa das muitas palestras que vão lotar a agenda de Anielle em 2023. Mas nada a impede de se inteirar das investigações sobre a morte da irmã e do motorista dela, Anderson Gomes. Até o momento, ela diz, não tem recebido notícias animadoras:

—Sempre falo para mim mesma que vai acontecer alguma coisa, que um dia a gente vai descobrir, sei lá. Tem essas duas pessoas presas, esperando o júri...

Ela se refere aos ex-PMs Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, acusados de matar Marielle e Anderson. O júri popular dos dois ainda não foi marcado. Quando for realizado, será momento de nova reflexão: ir ou não ao tribunal neste dia?

—Não pensei. É a primeira vez que me perguntam isso. Talvez fosse importante estar, é uma avaliação que eu teria que fazer mais a fundo. Mas não sei se eu vou ter estômago, se me imagino cara a cara com eles, se teria toda essa calma e coragem. Me dá um arrepio.

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