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Em seu discurso de aceitação do Prêmio Nobel de Literatura, pronunciado nesta quarta-feira (7) em Estocolmo, na Suécia, Annie Ernaux reafirmou seu compromisso de escrever para vingar seu povo e seu sexo. A escritora francesa de 82 anos lembrou que registrada esse desejo em seu diário seis décadas atrás. Nascida numa família de operários e pequenos comerciantes da Normandia, Ernaux se define como uma “trânsfuga de classe” (conceito do sociólogo Pierre Bourdieu). Em seus livros autobiográficos, ela analisa como sua ascensão social por meio da educação a afastou de sua cultura proletária de origem e sobre a opressão exercida sobre as mulheres. Um de seus livros mais cultuados, “O acontecimento” (que já virou filme), narra um aborto clandestino ao qual ela se submeteu no início dos anos 1960.

Autora de títulos como “Os anos”, “O lugar” e “O jovem”, Ernaux é publicada no Brasil pela Fósforo e foi a estrela da última Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), realizada em novembro. Em seu discurso nobélico, Ela afirmou que o gosto pela leitura surgiu na infância, por influência materna. Tornar-se escritora, pensava a jovem Ernaux (então chamada Annie Duchesne), seria uma vitória capaz de “apagar séculos de dominação e pobreza”. “Como minha realização pessoal poderia ter redimido alguma das humilhações e ofensas sofridas?”, questionou. “A literatura era uma espécie de continente que eu inconscientemente opunha ao meu meio social. E concebi a escrita como nada menos que a possibilidade de transfigurar a realidade.”

No entanto, rejeições de editoras, o trabalho de professora, as obrigações com a casa e o cuidado dos filhos a afastaram da literatura, afirmou. Até que, no início dos anos 1970, a morte do pai, as aulas dadas a crianças vindas de um meio social semelhante ao dela e os protestos que se espalhavam pelo mundo reascenderam nela o desejo de escrever. “Não mais o ilusório ‘escrever sobre nada’ dos meus 20 anos; agora era uma questão de mergulhar no indizível, na memória reprimida, e jogar luz para como meu povo vivia. De escrever para entender os motivos, dentro e fora de mim, que me distanciaram de minhas origens”, disse. Nessa época, continuou Ernaux, vingar seu povo, isto é, os pobres, e seu sexo, tornaram-se “a mesma coisa”.

A escritora também aproveitou a oportunidade para explicar a decisão de escrever na primeira pessoa. O “eu”, disse ela, “é uma ferramenta exploratória que capta sensações: aquelas que a memória enterrou, aquelas que o mundo que nos rodeia continua a dar, em todo o lado e a todo o tempo”. O compromisso em escrever sobre a própria vida, continuou, baseia-se na crença de que “um livro pode contribuir para mudar a vida privada, ajudar a acabar com a solidão das experiências vividas e reprimidas e permitir que os seres se reinventem. Quando o indizível é trazido à luz, ele se torna político.”

Um dia antes de receber o prêmio da Academia Sueca, Ernaux deu uma entrevista à AFP e na qual chamou o Nobel de “uma instituição para homens”. Naturalmente, ela aproveitou seu discurso para questionar o lugar da mulher na literatura. “Existem homens no mundo, inclusive nas esferas intelectuais ocidentais, para quem simplesmente não existem livros escritos por mulheres. Elas nunca são citadas. O reconhecimento do meu trabalho pela Academia Sueca é um sinal de esperança para todas as escritora”, disse.

Ela também destacou o potencial emancipatório da literatura produzida por que “vivenciaram diretamente” o impacto das opressões de classe, raça ou gênero. “Decifrar o mundo real despojando-o das visões e dos valores que a linguagem, toda linguagem, carrega consigo é derrubar sua ordem estabelecida, perturbar suas hierarquias”, afirmou. “Não considero uma vitória individual o Prêmio Nobel que me foi concedido. Não é por orgulho nem modéstia que o vejo, em certo sentido, como uma vitória coletiva. Partilho o seu orgulho com aqueles que, de uma forma ou de outra, esperam por mais liberdade, igualdade e dignidade para todos os seres humanos, independentemente de seu sexo ou gênero, da cor de sua pele e de sua cultura; e com aqueles que pensam nas gerações futuras, em proteger a Terra, onde uns poucos, sedentos por lucro, tornam a vida cada vez mais inabitável para todos.”

Ernaux terminou seu discurso dizendo que não sabia ao certo se havia cumprindo ou não a promessa que fizeram em seu diário: vingar seu povo. No entanto, acrescentou que “foi dessa promessa, e de meus antepassados, homens e mulheres trabalhadores, acostumados a trabalhos que os fizeram morrer cedo, que recebi força e raiva suficientes para ter o desejo e a ambição de dar-lhes um lugar na literatura, em meio a esse conjunto de vozes que, desde muito cedo, me acompanharam, dando-me acesso a outros mundos e a outras formas de ser, incluindo a de me rebelar e querer mudá-lo, de modo a inscrever a minha voz de mulher e de trânsfuga de classe naquilo que ainda hoje apresenta-se como um espaço de emancipação, a literatura”.

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